"A Ordem Franciscana Secular pertencente à Família Franciscana é formada pela união orgânica de todas as fraternidades católicas, cujos membros, impelidos pelo Espírito Santo, se comprometem, pela Profissão, a viver o Evangelho à maneira de São Francisco de Assis no próprio estado secular, observando a Regra aprovada pela Igreja." ( Const. 1,3). Contato - ofsaraxa@yahoo.com.br
terça-feira, 31 de janeiro de 2012
Volta Francisco, volta a terra
Ele devis ter se chamado Pascoal
Voara para os céus um homem, um poeta, uma visão nova da vida, um homem como outro não apareceu mais sobre a terra! Voou para o Alto? Não voltará? Volta de novo à terra, ó Pai Francisco. Andaste no trabalho ingente e doloroso de arredar os espinhos que escondem no coração do mundo o Reino dos céus; chagaste no trabalho os teus pés e mãos, teu peito estalou de cansaço num rasgão sangrento. E já os lobos amansavam suas gulas e sanhas, e as andorinhas andavam presas no encanto de tua voz, e os homens deixavam os campos de batalha para correr atrás de ti em convívio fraterno, e até os infiéis, enternecidos, escutavam teus cantares de Paz e Bem. Parece que já nos sorria o paraíso (O Poverello São Francisco de Assis, Pe. Fernando Felix Lopes, Braga, p. 493-494).
1. Quando chega o mês de outubro, nossa atenção se volta para a comemoração de São Francisco, para o desfecho de sua vida, para a páscoa desse homem. Pensamos também em nós todos, que nos dizemos franciscanos e que, ao longo do tempo da vida, vamos construindo nossa identidade, hoje num tempo de incertezas, numa época de sérios questionamentos. Desde os primórdios de nossa história fomos compreendendo que ser cristão franciscano era viver em estado de passagem, de andança, de peregrinação. Roupas e calçados leves, uma vida nas mãos de Deus, uma história a ser construída com as visitas do Senhor, peregrinos sem muita bagagem e pobres caminhando quase que sem lenço nem documento com outros peregrinos, também pobres e simples. Esse o sonho de nossa juventude. O peso das obras e as engrenagens da instituição nem sempre ajudam. É bom contemplar esses momentos finais da vida de Francisco, celebrar sua páscoa e cantar com ele a chegada desta Irmã que leva para a Terra dos Vivos, a Irmã Morte.
2. Lá está ele estendido sobre a terra, esse Francisco! Sem nada e de tudo cumulado. Um homem que foi se tornando transparente. Está deitado na terra nua, encarnação total da pobreza. Canta o salmo, lembra a noite de despedida do Senhor no evangelho de João. Esperando a chegada de Fra Jacoba, ia se despedindo de todos, depois de ter composto a última estrofe para o Cântico das Criaturas. Havia feito a sua parte. “Daquele corpo em destroços, ali estendido no chão, cresce e sobe ao apagar-se na distância das Alturas, a melodia do salmo. E, subindo, a voz como se fora de um homem renascido, na justiça original, voz de criança, argêntea e bela, abre nas trevas da noite esteira de tanta luz que arrasta consigo um bando de cotovias entontecidas por aquela madrugada nova” (O Poverello…, p. 493).
3. André Vauchez, celebrado historiador da Idade Média, evoca alguns detalhes da última passagem de Francisco: “Não há razão alguma para colocar em dúvida o relato dos últimos momentos edificantes do final dos dias de Francisco. Como ele tinha se esforçado por fazer de sua vida um exemplum, Francisco quis teatralizar sua morte fazendo dela um “drama sagrado”, revivendo as últimas etapas da vida de Cristo, da Ceia ao Getsêmani, deixando assim aos irmãos inesquecível lembrança. A Legenda Perusina acrescenta um episódio que tem uma nota de humanidade em todo o desenrolar da cena. Poucos dias antes de sua morte, Francisco teria tido a visita de uma viúva de alta linhagem, Jacoba de Settesoli, que pertencia à família romana dos Frangipani e pela qual ele tinha uma profunda estima e que era retribuída. Quando o Poverello pensou em escrever-lhe para informar de seu estado de saúde, espontaneamente ela veio a Assis trazendo-lhe o que era necessário para atravessar essa última etapa: uma túnica cinza com a qual ele podia ser enterrado, cera para fazer as velas e incenso para perfumar o lugar onde ele ia entregar sua alma. Francisco não havia ainda morrido e Jacoba estava ali e trazia também um mostacciuollo, um doce feito à base de amêndoas, açúcar e mel, que Francisco apreciava muito e que ele tinha degustado por ocasião de sua precedente visita. Comeu-o de uma só vez. Esse episódio acrescenta uma nota pitoresca a esse edificante final de vida: Jacoba, como mulher não podia entrar na Porciúncula, no interior da clausura. Francisco teria escapado a eventuais críticas dos que o cercavam dando à nobre romana um título masculino de “Fra (Irmão) Jacoba”. Aquele que, logo em seguida seria celebrado como um novo Cristo, precisou de uma nova Madalena… E ainda: um santo que se respeita não morre comendo doces! Certamente esta é a razão pela qual este pormenor não aparece nos textos posteriores a 1250 quando a reputação de santidade do Poverello estava solidamente estabelecida” (François d’Assise, Entre l ’ histoire et la mémoire. Bayard, Paris 2009, p. 219-220). Uma morte cheia de humanidade!
4. Esta foi a páscoa de Francisco. A páscoa definitiva na total nudez, na dramatizaçaõ que repetia os últimos momentos de Cristo. Sua vida toda, no entanto, fora uma existência de passagens. Bem no começo de tudo, quando ainda estava em pecados, o Senhor fizera com que ele começasse suas passagens, dirigindo-se aos leprosos. O Senhor o havia conduzido… O Altíssimo é que o convidava ao êxodo. No beijo dado ao leproso houve uma passagem outra: o amargo se transformou em doce e o doce em amargo. Sempre essas passagens que são sugeridas pelo Senhor. Houve a passagem de viver dos lucros da loja do pai para a vida unicamente nas mãos de Deus. Ele e seus irmãos haveriam de ser peregrinos, pessoas com pouca bagagem, sempre em viagem. “Os irmãos não se apropriem de nada, nem de casa, nem de lugar, nem de coisa alguma. E como peregrinos e forasteiros neste mundo servindo ao Senhor em pobreza e humildade…” (Regra bulada VI). Tudo é provisório, só Deus é definitivo. Reclamar da falta de conforto e buscar segurança é voltar às cebolas do Egito. Os biógrafos falam que ser peregrino é ser recebido em casa alheia, ter a nostalgia da pátria, irradiar a paz à sua passagem.
5. Assim, no verdor de nossos dias, quisemos nós que nossa vida também fosse uma existência marcada pela passagem. Tentamos sair de nós mesmos. Prometemos estar sempre a caminho do Senhor numa vida de intimidade, de busca do silêncio, de auscultação dos caminhos que ele quiser nos mostrar. Pegamos na mão de confrades que começamos a conhecer no noviciado e fomos em frente… talvez ajuntando coisas demais ao longo do caminho: bens materiais, apegos ao nosso ego, vontade de ter mais do que o necessário, falta de coragem de buscar uma terra distante que Deus nos estava mostrando, carreirismo, vontade de poder… Isso, sim, significa voltar às cebolas do Egito. Por vezes tivemos a tentação de nos deter e não caminhar como Abraão na certeza de há uma terra luminosa por detrás da neblina. Nem sempre tivemos coragem de morrer a nós mesmos. Mas muitas vezes, é verdade, na celebração da Eucaristia, fomos também fazendo a nossa páscoa e sentimos que, nesses momentos, havia um fogo novo a nos queimar o interior.
6. Francisco, um pouco antes de subir o Alverne, experimentou aperto no peito e no coração. Tinha a impressão de que a Ordem se lhe escapava das mãos. Não era aquilo que o Senhor queria dos frades. Houve densas trevas em sua caminhada. Sim, parecia que sua obra estava na rota do desvio. A Ordem tinha crescido demais: “Uma angústia profunda apoderou-se então de Francisco. Não seria desviar a fraternidade de sua vocação original, de seu carisma próprio, querer fazer dela uma Ordem, no sentido estrito da palavra? Sempre será difícil conciliar o espírito messiânico da fraternidade com as exigências de uma Ordem. Uma Ordem impõe estruturas, uma regra, uma hierarquia; cria inevitavelmente distinções e, às vezes, até exclusões. Privilegia a instituição, o coletivo. A fraternidade tal qual concebia Francisco, era antes um espaço de liberdade, onde cada irmão podia viver segundo o Espirito do Senhor. Um lugar de acolhimento de todos. Uma zona franca para a vida pura e irradiante, pela própria qualidade de suas relações” (E. Leclerc, O sol nasce em Assis, Vozes, p. 66-67).
7. Francisco sofria. Os frades haviam esquecido o espírito de simplicidade. Por vezes, a cólera subia-lhe ao semblante. Ele foi aos poucos se aproximando de uma área definitiva de passagem, de morte a si mesmo. Estava decepcionado com a Ordem: “Esta crise moral, agravada pela doença, foi para Francisco a passagem obrigatória para um despojamento radical. Ele se perguntava o que o Senhor esperava dele. O que fazer? Quase cego, sofrendo de diversas enfermidades, achou bom pedir sua demissão de ministro. Retirou-se para a solidão de um eremitério para esconder seu sofrimento e sua reovlta” ( E. Leclerc, idem, p. 68).
8. Ele não podia fechar-se num mutismo e num isolamento estéril. Não podia ficar ruminando amargura. Deus o esperava. Foi convidado a empreender uma última passagem. Teve de despojar-se de sua obra pessoal para, no dizer de Leclerc, tornar-se ele mesmo obra de Deus. Foi convidado pelo Senhor a não se perturbar. A Ordem e a obra eram do Senhor. “Francisco entendeu a exortação. E, como Abraão acreditou na Palavra, lançou no coração de Deus toda preocupação: Deus é , isto basta! Então, o coração de Francisco, abismando-se na adoração, tornou-se leve. Leve como a cotovia dos campos. Podia de novo expandir-se a céu aberto. Havia recuperado a alegria e o canto. Havia compreendido que a paz do coração é a forma suprema da pobreza” (p. 68).
9. E aí estamos nós no tempo dos redimensionamentos, da refundação, da busca de caminhos novos que possam ser abertos pelo Espírito. Nos tempos de nossos primeiros entusiasmos quisemos (e continuamos a querer) ser do Senhor e fazer de nossa vida uma existência de serviço para os irmãos, na simplicidade de nossa vida fraterna e nas andanças missionárias, tentando dizer, pelo exemplo e pela palavra, que o Amor precisa ser amado.. Mas tudo muda. Muda o modo de fazer pastoral. As igrejas se esvaziam. Nossas obras, há tempos atrás tão necessárias para a evangelização, tornaram-se pesadas, vazias e inúteis. Monstros, elefantes brancos! Desfazer-se delas? Custa. A própria vida religiosa conhece passagens. José Arregui, OFM, num artigo provocador, publicado na revista espanhola Lumen (2002), escreve: “Creio que é preciso desdramatizar radicalmente a escassez ou ausência de novas vocações: o reino de Deus, o sonho de Deus de um mundo mais feliz, não depende que nossas casas, obras e congregações perdurem. É necessário ir mais adiante e ter a coragem de encarar até mesmo a falta de vocações como um sinal do reino. Não será uma voz do Espírito, um sinal do Espírito criador, o espírito de Pentecostes, cheio de imaginação e novidade? O futuro do Espírito é vida, e a vida é uma novidade permanente. A vida se sobrepõe à morte quando sabemos aceitar a morte de tudo o que não é vivo, vital, vivificador. É preciso aprender a morrer para aprender a viver, não querer aferrar-se à vida que se vai, não querer reter o tempo, não aferrar-se ao nosso próprio passado. O futuro é a novidade de Deus, a imaginação do Espírito” (Ante el futuro de la vida religiosa, p. 206-207). Trata-se novamente do tema da passagem. Passagem-páscoa em nossa vida pessoal franciscana e páscoa das atividades, das obras, do peso daquilo que nos impede de sermos transparências do mundo que se chama reino.
10. Importante viver em profundidade. Viver em profundidade não significa agir freneticamente ad extra nem inventar coisas demais ad intra. Nossas instituições andam estressadas. Projetos, programas, encontros de revitalização, reuniões e reuniões, papéis, por vezes muitos papéis. Não podemos desanimar. Necessário reavivar a brasa, a chama. Mais importante é infundir ânimo àqueles que estão com mais de sessenta e espiam o futuro da Ordem com certa reticência. Será fundamental aceitar pascalmente nossa pobreza. Importante será aceitar nossa pobreza, nossos equívocos, nossas perdas. Nessa situação é possível viver com alegria, com dignidade. Arregui afirma: “Realismo não significa desânimo(…) É possível morrer com confiança e essa, talvez, seja a máxima fecundidade evangélica. Se vivermos com esse realismo confiante, podesemos, mesmo sendo poucos e idosos e sem fazer nada de especial, constituir pequenas células de busca e de esperança viva” (p.210).
11. Ignace-Etienne Motte e Gérard Hégo escreveram um livro que fez história e continua atual: A Páscoa de São Francisco (Ed. Franciscana de Braga). Na conclusão, os autores afirmam que Francisco leva a lógica pascal do Evangelho até ultimas consequências. “Quem é apenas peregrino e forasteiro neste mundo, deve necessariamente desprender-se efetivamente de todos os bens do mundo: daí o primado da pobreza. Esta é a contribuição principal da espiritualidade franciscana à espiritualidade cristã. Coube a São Francisco descobri-la e trazê-la à plena luz. Não o fez através da especulação, pois não era teólogo; fê-lo pela experiência vivida. Peregrino e estrangeiro neste mundo, conduzido pelo Senhor para a Terra Prometida, a Terra dos Vivos, o Reino dos céus; assim, pode resumir-se a lição de sua vida. Possivelmente ninguém antes dele teria compreendido o Mistério da Páscoa, realizando-o de maneira concreta pela vida de pobreza: a pobreza franciscana é, antes de tudo, uma atitude religiosa que se explica em grande parte pela mística da Páscoa, a Páscoa de Moisés e a Páscoa de Jesus, morto e ressuscitado e elevado ao Reino dos céus (p.203-204).
12. Sim, somos homens e mulheres da Páscoa. Não nos fixamos em nada, a não ser no Senhor que nesses tempos anda pedindo que caminhemos para frente, mesmo na forte e densa neblina. Está claro: não podemos entrar nessa dança de andar de um lado para o outro, dando a impressão de que estamos renovando não sei o que. Visitar nossas origens, soprar as brasas, viver unidos em nossas casas, deixar que o Senhor nos mostre caminho, deixar que nosso coração bata com as batidas do coração de Deus e não com o frenesi barulhento de um mundo, de um espírito do mundo, que anda querendo que deixemos a trilha da Terra Prometida.
13. “Volta, Pai São Francisco, ao teu trabalho de encher a terra com a paz do Reino de Deus! Mas se não voltas, então espera-me, ó Pai, espera-me que também me quero partir contigo” ( O Poverello…p. 494).
14. Depois de tudo o que foi dito e refletido nessas linhas, me veio uma ideia não tão absurda. Francisco, que primeiro recebeu o nome de João dado pela mãe, depois de Francesco, o francezinho, dado pelo pai Bernardone, na realidade foi construindo uma vida que se transformou no homem das passagens, da Páscoa, e deveria se chamar Frei Pascoal.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
Fonte - Site Francisnanos da Imaculada Conceição
Voara para os céus um homem, um poeta, uma visão nova da vida, um homem como outro não apareceu mais sobre a terra! Voou para o Alto? Não voltará? Volta de novo à terra, ó Pai Francisco. Andaste no trabalho ingente e doloroso de arredar os espinhos que escondem no coração do mundo o Reino dos céus; chagaste no trabalho os teus pés e mãos, teu peito estalou de cansaço num rasgão sangrento. E já os lobos amansavam suas gulas e sanhas, e as andorinhas andavam presas no encanto de tua voz, e os homens deixavam os campos de batalha para correr atrás de ti em convívio fraterno, e até os infiéis, enternecidos, escutavam teus cantares de Paz e Bem. Parece que já nos sorria o paraíso (O Poverello São Francisco de Assis, Pe. Fernando Felix Lopes, Braga, p. 493-494).
1. Quando chega o mês de outubro, nossa atenção se volta para a comemoração de São Francisco, para o desfecho de sua vida, para a páscoa desse homem. Pensamos também em nós todos, que nos dizemos franciscanos e que, ao longo do tempo da vida, vamos construindo nossa identidade, hoje num tempo de incertezas, numa época de sérios questionamentos. Desde os primórdios de nossa história fomos compreendendo que ser cristão franciscano era viver em estado de passagem, de andança, de peregrinação. Roupas e calçados leves, uma vida nas mãos de Deus, uma história a ser construída com as visitas do Senhor, peregrinos sem muita bagagem e pobres caminhando quase que sem lenço nem documento com outros peregrinos, também pobres e simples. Esse o sonho de nossa juventude. O peso das obras e as engrenagens da instituição nem sempre ajudam. É bom contemplar esses momentos finais da vida de Francisco, celebrar sua páscoa e cantar com ele a chegada desta Irmã que leva para a Terra dos Vivos, a Irmã Morte.
2. Lá está ele estendido sobre a terra, esse Francisco! Sem nada e de tudo cumulado. Um homem que foi se tornando transparente. Está deitado na terra nua, encarnação total da pobreza. Canta o salmo, lembra a noite de despedida do Senhor no evangelho de João. Esperando a chegada de Fra Jacoba, ia se despedindo de todos, depois de ter composto a última estrofe para o Cântico das Criaturas. Havia feito a sua parte. “Daquele corpo em destroços, ali estendido no chão, cresce e sobe ao apagar-se na distância das Alturas, a melodia do salmo. E, subindo, a voz como se fora de um homem renascido, na justiça original, voz de criança, argêntea e bela, abre nas trevas da noite esteira de tanta luz que arrasta consigo um bando de cotovias entontecidas por aquela madrugada nova” (O Poverello…, p. 493).
3. André Vauchez, celebrado historiador da Idade Média, evoca alguns detalhes da última passagem de Francisco: “Não há razão alguma para colocar em dúvida o relato dos últimos momentos edificantes do final dos dias de Francisco. Como ele tinha se esforçado por fazer de sua vida um exemplum, Francisco quis teatralizar sua morte fazendo dela um “drama sagrado”, revivendo as últimas etapas da vida de Cristo, da Ceia ao Getsêmani, deixando assim aos irmãos inesquecível lembrança. A Legenda Perusina acrescenta um episódio que tem uma nota de humanidade em todo o desenrolar da cena. Poucos dias antes de sua morte, Francisco teria tido a visita de uma viúva de alta linhagem, Jacoba de Settesoli, que pertencia à família romana dos Frangipani e pela qual ele tinha uma profunda estima e que era retribuída. Quando o Poverello pensou em escrever-lhe para informar de seu estado de saúde, espontaneamente ela veio a Assis trazendo-lhe o que era necessário para atravessar essa última etapa: uma túnica cinza com a qual ele podia ser enterrado, cera para fazer as velas e incenso para perfumar o lugar onde ele ia entregar sua alma. Francisco não havia ainda morrido e Jacoba estava ali e trazia também um mostacciuollo, um doce feito à base de amêndoas, açúcar e mel, que Francisco apreciava muito e que ele tinha degustado por ocasião de sua precedente visita. Comeu-o de uma só vez. Esse episódio acrescenta uma nota pitoresca a esse edificante final de vida: Jacoba, como mulher não podia entrar na Porciúncula, no interior da clausura. Francisco teria escapado a eventuais críticas dos que o cercavam dando à nobre romana um título masculino de “Fra (Irmão) Jacoba”. Aquele que, logo em seguida seria celebrado como um novo Cristo, precisou de uma nova Madalena… E ainda: um santo que se respeita não morre comendo doces! Certamente esta é a razão pela qual este pormenor não aparece nos textos posteriores a 1250 quando a reputação de santidade do Poverello estava solidamente estabelecida” (François d’Assise, Entre l ’ histoire et la mémoire. Bayard, Paris 2009, p. 219-220). Uma morte cheia de humanidade!
4. Esta foi a páscoa de Francisco. A páscoa definitiva na total nudez, na dramatizaçaõ que repetia os últimos momentos de Cristo. Sua vida toda, no entanto, fora uma existência de passagens. Bem no começo de tudo, quando ainda estava em pecados, o Senhor fizera com que ele começasse suas passagens, dirigindo-se aos leprosos. O Senhor o havia conduzido… O Altíssimo é que o convidava ao êxodo. No beijo dado ao leproso houve uma passagem outra: o amargo se transformou em doce e o doce em amargo. Sempre essas passagens que são sugeridas pelo Senhor. Houve a passagem de viver dos lucros da loja do pai para a vida unicamente nas mãos de Deus. Ele e seus irmãos haveriam de ser peregrinos, pessoas com pouca bagagem, sempre em viagem. “Os irmãos não se apropriem de nada, nem de casa, nem de lugar, nem de coisa alguma. E como peregrinos e forasteiros neste mundo servindo ao Senhor em pobreza e humildade…” (Regra bulada VI). Tudo é provisório, só Deus é definitivo. Reclamar da falta de conforto e buscar segurança é voltar às cebolas do Egito. Os biógrafos falam que ser peregrino é ser recebido em casa alheia, ter a nostalgia da pátria, irradiar a paz à sua passagem.5. Assim, no verdor de nossos dias, quisemos nós que nossa vida também fosse uma existência marcada pela passagem. Tentamos sair de nós mesmos. Prometemos estar sempre a caminho do Senhor numa vida de intimidade, de busca do silêncio, de auscultação dos caminhos que ele quiser nos mostrar. Pegamos na mão de confrades que começamos a conhecer no noviciado e fomos em frente… talvez ajuntando coisas demais ao longo do caminho: bens materiais, apegos ao nosso ego, vontade de ter mais do que o necessário, falta de coragem de buscar uma terra distante que Deus nos estava mostrando, carreirismo, vontade de poder… Isso, sim, significa voltar às cebolas do Egito. Por vezes tivemos a tentação de nos deter e não caminhar como Abraão na certeza de há uma terra luminosa por detrás da neblina. Nem sempre tivemos coragem de morrer a nós mesmos. Mas muitas vezes, é verdade, na celebração da Eucaristia, fomos também fazendo a nossa páscoa e sentimos que, nesses momentos, havia um fogo novo a nos queimar o interior.
6. Francisco, um pouco antes de subir o Alverne, experimentou aperto no peito e no coração. Tinha a impressão de que a Ordem se lhe escapava das mãos. Não era aquilo que o Senhor queria dos frades. Houve densas trevas em sua caminhada. Sim, parecia que sua obra estava na rota do desvio. A Ordem tinha crescido demais: “Uma angústia profunda apoderou-se então de Francisco. Não seria desviar a fraternidade de sua vocação original, de seu carisma próprio, querer fazer dela uma Ordem, no sentido estrito da palavra? Sempre será difícil conciliar o espírito messiânico da fraternidade com as exigências de uma Ordem. Uma Ordem impõe estruturas, uma regra, uma hierarquia; cria inevitavelmente distinções e, às vezes, até exclusões. Privilegia a instituição, o coletivo. A fraternidade tal qual concebia Francisco, era antes um espaço de liberdade, onde cada irmão podia viver segundo o Espirito do Senhor. Um lugar de acolhimento de todos. Uma zona franca para a vida pura e irradiante, pela própria qualidade de suas relações” (E. Leclerc, O sol nasce em Assis, Vozes, p. 66-67).
7. Francisco sofria. Os frades haviam esquecido o espírito de simplicidade. Por vezes, a cólera subia-lhe ao semblante. Ele foi aos poucos se aproximando de uma área definitiva de passagem, de morte a si mesmo. Estava decepcionado com a Ordem: “Esta crise moral, agravada pela doença, foi para Francisco a passagem obrigatória para um despojamento radical. Ele se perguntava o que o Senhor esperava dele. O que fazer? Quase cego, sofrendo de diversas enfermidades, achou bom pedir sua demissão de ministro. Retirou-se para a solidão de um eremitério para esconder seu sofrimento e sua reovlta” ( E. Leclerc, idem, p. 68).
8. Ele não podia fechar-se num mutismo e num isolamento estéril. Não podia ficar ruminando amargura. Deus o esperava. Foi convidado a empreender uma última passagem. Teve de despojar-se de sua obra pessoal para, no dizer de Leclerc, tornar-se ele mesmo obra de Deus. Foi convidado pelo Senhor a não se perturbar. A Ordem e a obra eram do Senhor. “Francisco entendeu a exortação. E, como Abraão acreditou na Palavra, lançou no coração de Deus toda preocupação: Deus é , isto basta! Então, o coração de Francisco, abismando-se na adoração, tornou-se leve. Leve como a cotovia dos campos. Podia de novo expandir-se a céu aberto. Havia recuperado a alegria e o canto. Havia compreendido que a paz do coração é a forma suprema da pobreza” (p. 68).
9. E aí estamos nós no tempo dos redimensionamentos, da refundação, da busca de caminhos novos que possam ser abertos pelo Espírito. Nos tempos de nossos primeiros entusiasmos quisemos (e continuamos a querer) ser do Senhor e fazer de nossa vida uma existência de serviço para os irmãos, na simplicidade de nossa vida fraterna e nas andanças missionárias, tentando dizer, pelo exemplo e pela palavra, que o Amor precisa ser amado.. Mas tudo muda. Muda o modo de fazer pastoral. As igrejas se esvaziam. Nossas obras, há tempos atrás tão necessárias para a evangelização, tornaram-se pesadas, vazias e inúteis. Monstros, elefantes brancos! Desfazer-se delas? Custa. A própria vida religiosa conhece passagens. José Arregui, OFM, num artigo provocador, publicado na revista espanhola Lumen (2002), escreve: “Creio que é preciso desdramatizar radicalmente a escassez ou ausência de novas vocações: o reino de Deus, o sonho de Deus de um mundo mais feliz, não depende que nossas casas, obras e congregações perdurem. É necessário ir mais adiante e ter a coragem de encarar até mesmo a falta de vocações como um sinal do reino. Não será uma voz do Espírito, um sinal do Espírito criador, o espírito de Pentecostes, cheio de imaginação e novidade? O futuro do Espírito é vida, e a vida é uma novidade permanente. A vida se sobrepõe à morte quando sabemos aceitar a morte de tudo o que não é vivo, vital, vivificador. É preciso aprender a morrer para aprender a viver, não querer aferrar-se à vida que se vai, não querer reter o tempo, não aferrar-se ao nosso próprio passado. O futuro é a novidade de Deus, a imaginação do Espírito” (Ante el futuro de la vida religiosa, p. 206-207). Trata-se novamente do tema da passagem. Passagem-páscoa em nossa vida pessoal franciscana e páscoa das atividades, das obras, do peso daquilo que nos impede de sermos transparências do mundo que se chama reino.10. Importante viver em profundidade. Viver em profundidade não significa agir freneticamente ad extra nem inventar coisas demais ad intra. Nossas instituições andam estressadas. Projetos, programas, encontros de revitalização, reuniões e reuniões, papéis, por vezes muitos papéis. Não podemos desanimar. Necessário reavivar a brasa, a chama. Mais importante é infundir ânimo àqueles que estão com mais de sessenta e espiam o futuro da Ordem com certa reticência. Será fundamental aceitar pascalmente nossa pobreza. Importante será aceitar nossa pobreza, nossos equívocos, nossas perdas. Nessa situação é possível viver com alegria, com dignidade. Arregui afirma: “Realismo não significa desânimo(…) É possível morrer com confiança e essa, talvez, seja a máxima fecundidade evangélica. Se vivermos com esse realismo confiante, podesemos, mesmo sendo poucos e idosos e sem fazer nada de especial, constituir pequenas células de busca e de esperança viva” (p.210).
11. Ignace-Etienne Motte e Gérard Hégo escreveram um livro que fez história e continua atual: A Páscoa de São Francisco (Ed. Franciscana de Braga). Na conclusão, os autores afirmam que Francisco leva a lógica pascal do Evangelho até ultimas consequências. “Quem é apenas peregrino e forasteiro neste mundo, deve necessariamente desprender-se efetivamente de todos os bens do mundo: daí o primado da pobreza. Esta é a contribuição principal da espiritualidade franciscana à espiritualidade cristã. Coube a São Francisco descobri-la e trazê-la à plena luz. Não o fez através da especulação, pois não era teólogo; fê-lo pela experiência vivida. Peregrino e estrangeiro neste mundo, conduzido pelo Senhor para a Terra Prometida, a Terra dos Vivos, o Reino dos céus; assim, pode resumir-se a lição de sua vida. Possivelmente ninguém antes dele teria compreendido o Mistério da Páscoa, realizando-o de maneira concreta pela vida de pobreza: a pobreza franciscana é, antes de tudo, uma atitude religiosa que se explica em grande parte pela mística da Páscoa, a Páscoa de Moisés e a Páscoa de Jesus, morto e ressuscitado e elevado ao Reino dos céus (p.203-204).
12. Sim, somos homens e mulheres da Páscoa. Não nos fixamos em nada, a não ser no Senhor que nesses tempos anda pedindo que caminhemos para frente, mesmo na forte e densa neblina. Está claro: não podemos entrar nessa dança de andar de um lado para o outro, dando a impressão de que estamos renovando não sei o que. Visitar nossas origens, soprar as brasas, viver unidos em nossas casas, deixar que o Senhor nos mostre caminho, deixar que nosso coração bata com as batidas do coração de Deus e não com o frenesi barulhento de um mundo, de um espírito do mundo, que anda querendo que deixemos a trilha da Terra Prometida.
13. “Volta, Pai São Francisco, ao teu trabalho de encher a terra com a paz do Reino de Deus! Mas se não voltas, então espera-me, ó Pai, espera-me que também me quero partir contigo” ( O Poverello…p. 494).
14. Depois de tudo o que foi dito e refletido nessas linhas, me veio uma ideia não tão absurda. Francisco, que primeiro recebeu o nome de João dado pela mãe, depois de Francesco, o francezinho, dado pelo pai Bernardone, na realidade foi construindo uma vida que se transformou no homem das passagens, da Páscoa, e deveria se chamar Frei Pascoal.
Frei Almir Ribeiro Guimarães
Fonte - Site Francisnanos da Imaculada Conceição
Essa gente jogada na rua
Há vidas e vidas. Gosto de observar as pessoas no metrô, na fila dos bancos, no hall de uma sala de espetáculos e na rua…
Aquele homem perambulava por ruas sujas e imundas, com paredes rabiscadas e fétido odor… Ele era jovem, bonito, cabelos negros, sujo, descalço, descuidado, com calças dobradas até o meio da canela. Tinha, no entanto, no jeito de caminhar e no brilho de seus olhos lampejos de nobreza. Andava a esmo, carregando uma vasilha de plástico e arrastando um cobertor…
Lavava o rosto numa bica que havia ali, perto do viaduto… e à noite se enrolava naquela coberta que carregava de um lado para o outro e dormia… nem mesmo sei se conseguia dormir… ali mesmo num canto… meio escondido, antes de deitar, urinava… sujo… sem nada, sem ontem, sem antes de ontem e sem amanhã… antes de dormir rezava uma ave-maria e fazia o nome do Pai… Andou se metendo no mundo das drogas, estragou a vida e os seus o deixaram. Ninguém sabe nada a respeito desse homem bonito e transformado num caco humano e num resto de gente.
Alguém, no entanto, tem que saber alguma coisa a respeito desse homem. Um dia um homem e uma mulher se uniram carnalmente e esse homem foi gerado… com casamento… sem casamento… não sei. Não aconteceu assim do nada. Mas teve um pai e uma mãe.
Quem sabe, talvez, ele teve um berço, sapatinhos de lã, chocalho, brinquedos do Papai Noel, tio, avós, primos, padrinho, madrinha, bilu-bilu… Deve ter mamado de peito ou de mamadeira. Deve ter sido beijado e a muitos beijado. Teve um quarto com colchão, travesseiro, edredom, mosqueteiro, livros, terço, escrivaninha para estudar com lâmpada de mesa. Sim, livros, atlas, gramática portuguesa, livros de inglês. Quando voltava à casa depois das aulas tomava uma xícara de chocolate quente nos dias de inverno.
Será que não? Será que o que escrevo é pura fantasia? Será que esse homem nunca usou faca e garfo?
Que será desse resto humano de um pouco mais de 30 anos. Quem se interessará por ele? Será que basta alguém passar e deixar uma sacola com biscoitos, leite e frutas? Será que basta que ele receba roupas que as pessoas não querem mais? Como fazer de sorte que este homem possa dormir numa cama decente, abrir a janela para o dia que chega, tomar banho, pentear o cabelo, encontrar um amor, descobrir que Jesus , belo e magnifico, deu a vida por ele numa tarde de amor?
Que tristes histórias perambulam pelas ruas….
Frei Almir Ribeiro Guimarães
Fonte - Site Franciscanos da Imaculada Conceição
Aquele homem perambulava por ruas sujas e imundas, com paredes rabiscadas e fétido odor… Ele era jovem, bonito, cabelos negros, sujo, descalço, descuidado, com calças dobradas até o meio da canela. Tinha, no entanto, no jeito de caminhar e no brilho de seus olhos lampejos de nobreza. Andava a esmo, carregando uma vasilha de plástico e arrastando um cobertor…
Lavava o rosto numa bica que havia ali, perto do viaduto… e à noite se enrolava naquela coberta que carregava de um lado para o outro e dormia… nem mesmo sei se conseguia dormir… ali mesmo num canto… meio escondido, antes de deitar, urinava… sujo… sem nada, sem ontem, sem antes de ontem e sem amanhã… antes de dormir rezava uma ave-maria e fazia o nome do Pai… Andou se metendo no mundo das drogas, estragou a vida e os seus o deixaram. Ninguém sabe nada a respeito desse homem bonito e transformado num caco humano e num resto de gente.Alguém, no entanto, tem que saber alguma coisa a respeito desse homem. Um dia um homem e uma mulher se uniram carnalmente e esse homem foi gerado… com casamento… sem casamento… não sei. Não aconteceu assim do nada. Mas teve um pai e uma mãe.
Quem sabe, talvez, ele teve um berço, sapatinhos de lã, chocalho, brinquedos do Papai Noel, tio, avós, primos, padrinho, madrinha, bilu-bilu… Deve ter mamado de peito ou de mamadeira. Deve ter sido beijado e a muitos beijado. Teve um quarto com colchão, travesseiro, edredom, mosqueteiro, livros, terço, escrivaninha para estudar com lâmpada de mesa. Sim, livros, atlas, gramática portuguesa, livros de inglês. Quando voltava à casa depois das aulas tomava uma xícara de chocolate quente nos dias de inverno.
Será que não? Será que o que escrevo é pura fantasia? Será que esse homem nunca usou faca e garfo?
Que será desse resto humano de um pouco mais de 30 anos. Quem se interessará por ele? Será que basta alguém passar e deixar uma sacola com biscoitos, leite e frutas? Será que basta que ele receba roupas que as pessoas não querem mais? Como fazer de sorte que este homem possa dormir numa cama decente, abrir a janela para o dia que chega, tomar banho, pentear o cabelo, encontrar um amor, descobrir que Jesus , belo e magnifico, deu a vida por ele numa tarde de amor?
Que tristes histórias perambulam pelas ruas….
Frei Almir Ribeiro Guimarães
Fonte - Site Franciscanos da Imaculada Conceição
segunda-feira, 30 de janeiro de 2012
quarta-feira, 25 de janeiro de 2012
Lacaito maduro e significativo para novos tempos

Frei Almir Ribeiro Guimarães (*)
A Ordem Franciscana Secular é a mais antiga forma de organização de leigos que, guiados pela Igreja, unidos em fraternidade e inspirando-se no ideal de São Francisco de Assis, se empenham em testemunhar com a vida o Evangelho de Jesus Cristo e se dedicam ao apostolado no estado laical (Palavras de João Paulo II dirigidas aos franciscanos seculares)
Os franciscanos seculares encontram na Regra o projeto evangélico e o auxílio necessário para poderem se tornar efetivamente instrumentos da reconciliação universal operada por Cristo. Tal projeto franciscano supõe a colaboração com a ação de Deus no interior das estruturas humanas. A expressão “no interior” é de fundamental importância porque afirma que a santidade, a “perfeição da caridade” que os franciscanos seculares são chamados a realizar, não passa “acima” de sua condição humana, tanto individual como social, não se realiza “apesar” de viverem em família, de trabalharem, estudarem, lutarem por uma sociedade mais justa, pela justiça, pela paz…, mas – essa é a grande verdade que Francisco intuiu – tal santidade é alcançada precisamente pelo fato de viverem fiel e evangelicamente todas as situações próprias da condição secular (Manuale per l’assistenza all’OFS e alla GiFra, p. 89).
1. A Ordem Franciscana no Brasil tem refletido sobre muitos temas importantes que visam alimentar a vida dos irmãos e das irmãs. Nos últimos tempos temos estudado a questão do senso de pertença à Ordem, as características de nossa identidade, a ação concreta no mundo, a presença dos irmãos no mundo, o senso missionário, a revitalização de nossa vida fraterna e das reuniões gerais, o cuidado pelo criado. Duas questões parecem nos preocupar no momento: Como formar na OFS um laicato vigoroso e maduro? Que expressão têm os franciscanos seculares em nossas dioceses e no mundo?
2. Não há dúvidas. Os franciscanos da Terceira Ordem são seculares. Secular não quer dizer pessoa que adota o secularismo, ou seja, exclusão do mistério da Transcendência. Os terceiros vivem no mundo. Casam-se, trabalham, empenham-se por viver o Evangelho na sociedade dos emergentes, do neoliberalismo, do consumismo, da comunicação e da exclusão. Inquietam-se com tudo aquilo que, no mundo, é contra o espírito cristão, a espiritualidade franciscana e a Regra que professaram. Inquietando-se com isso, dão testemunho do contrário. São seres leves, alegres e transparentes.
3. Nas últimas décadas falamos sempre em Ordem Franciscana Secular. Insiste-se, portanto, no secular. Esse secular é para valer. Documentos exarados de Capítulos da Ordem em diferentes níveis nos últimos tempos insistem na presença dos irmãos no mundo. Na medida em que os candidatos à vida franciscana secular forem sendo formados no espírito da Regra, esperamos poder ter em nossas fileiras um laicato maduro e nossas fraternidades serão significativas, ou seja, irradiarão o Evangelho no meio das realidades terrestres.
4. Teoricamente estamos todos de acordo que a OFS seja caracterizada pela atuação no mundo. Uma coisa é a teoria e outra, a prática. Os membros da Ordem não são franciscanos “apesar” de serem casados, de terem filhos, de trabalharem na abertura das estradas ou na bolsa de valores. Estamos diante de leigos corajosos que implantam o Reino nas realidades terrestres e suas primeiras e fundamentais preocupações não podem ser as atividades litúrgicas e os serviços religiosos “ad intra”. Estão postados diante de um mundo cheio de desafios e têm a missão de torná-lo cristão. Haverão de se constituir numa laicato maduro e significativo para os novos tempos.
5. Vivemos tempos novos na Igreja e no mundo. Não nos cansamos de dizer isto. O mundo destes primeiros anos do novo milênio tem pouco a ver com a década de 40 ou 50 do século passado. Na Igreja e no mundo não podemos nos aferrar a posicionamentos que se tornaram obsoletos, anteriores a toda a uma série de reformas e atualizações (aggiornamento) da Igreja. O passado e a maneira de viver o cristianismo e o franciscanismo ficaram estreitos e não cabem mais em nós como uma roupa que ficou apertada. Não podemos nos enclausurar no passado e viver da nostalgia. Temos que olhar para frente e imaginar um amanhã conforme o desejo do Espírito. Estamos terminantemente proibidos de viver a vida cristã franciscana como mera repetição do passado. Seria faltar com a coragem de acolher a novidade do Espírito. A Regra que a Igreja nos deu aponta para tempos novos.
6. A Ordem Franciscana Secular, de modo especial pela “modernidade” de sua Regra, é constituída de homens e mulheres dos tempos novos. Algumas de nossas fraternidades ainda respiram os ares anteriores à promulgação da Regra e de sua assimilação. Estamos convencidos de que as fraternidades novas que vão surgindo serão grupos que darão substanciosa contribuição para tornar o mundo mais humano e a Igreja mais e mais sacramento, sinal do mundo novo. Imaginamos os franciscanos seculares leigos maduros e em franco processo de amadurecimento.
7. O tema de um laicato maduro se une ao de um grupo que tenha significação, que seja expressivo no atual contexto do mundo e da Igreja. Que visibilidade têm as fraternidades franciscanas seculares? Que influência têm os membros na Ordem nas paróquias, na dioceses e na vida da cidade? O simples fato da existência de uma fraternidade é levado em consideração, reconhecido, pelos membros de uma paróquia? Que influência exerce a OFS na Igreja do Brasil? Será que está desempenhando, nos diferentes níveis, um papel decisivo de reconstrução da Igreja no começo deste novo milênio? De que visibilidade gozamos? Leigos, bispos e sacerdotes esperam de nós colaboração na transformação da realidade e da Igreja? A OFS deverá ser constituída de um laicato maduro e expressivo.
8. Laicato – Não é aqui o lugar de fazer um tratado sobre esse tema vasto e complexo. Não pretendemos entrar em polêmicas. Documentos sérios e sólidos da Igreja tratam do assunto. Mencionamos aqui apenas dois deles: a Exortação Apostólica sobre a Vocação e a Missão dos Leigos de João Paulo II (Christifideles laici) e o Documento de Aparecida. Muitos outros deveriam ser mencionados. Os leigos são cristãos incorporados a Cristo pelo batismo. Formam com bispos, padres, diáconos, religiosos e religiosas o povo de Deus. Participam das funções de Cristo sacerdote, profeta e rei. No dizer do documento de Puebla são homens da Igreja no coração do mundo e homens do mundo no coração da Igreja. Sua missão própria se realiza precisamente no mundo e não nas atividades internas da Igreja mais vinculadas ao ministério dos pastores. Sua presença e sua ação visam transformar o mundo. Ajudam no nascimento de estruturas justas no meio do mundo.
9. Evangelii Nuntiandi: “A sua primeira e imediata tarefa (dos leigos) não é a instituição e o desenvolvimento da comunidade eclesial – esse é o papel específico dos Pastores – mas sim, de pôr em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes nas coisas do mundo. O campo próprio de sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos meios de comunicação e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como seja, o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento (Evangelii Nuntiandi, n . 70).
10. Os leigos cristãos através de sua vida haverão de tornar crível a sua fé de modo especial através de uma conduta humana e cristã marcadas pela coerência. Serão chamados a participar na ação pastoral primeiro pelo testemunho de vida, pela atuação nos campos assinalados por Evangelii Nuntiandi e, segundo lugar, com ações no campo da evangelização da animação liturgia e orante das comunidades.
11. Não podemos deixar de mencionar, no contexto deste tema, uma das prioridades do apostolado evangelizador dos leigos: a ação evangelizadora da família. Novamente é Evangelii Nuntiandi que insiste. Fala da Igreja doméstica. A família, como a Igreja, tem por dever ser um espaço onde o Evangelho é transmitido e donde o Evangelho se irradia. Belamente assim se exprime o documento: “No seio de uma família que tem consciência desta missão, todos os membros da mesma família evangelizam e são evangelizados. Os pais não somente comunicam aos filhos o Evangelho, mas podem receber deles o mesmo Evangelho profundamente vivido” (n. 71).
12. Quando falamos da realidade e missão dos leigos não podemos deixar de mencionar a força das imagens do sal da terra, luz do mundo e fermento da massa. Christifideles Laici assim se exprime: “As imagens evangélicas do sal, da luz e do fermento embora se refiram indistintamente a todos os discípulos de Jesus, têm uma específica aplicação nos fiéis leigos. São imagens maravilhosamente significativas, porque falam, não só da inserção profunda e da participação plena do fiéis leigos na terra, no mundo, na comunidade humana, mas também e sobretudo, da novidade e da originalidade de uma inserção e de uma participação destinadas à difusão do Evangelho que salva” (n. 15).
13. Laicato maduro – Maduro é um termo que vem da botânica. Os frutos começam a aparecer depois da floração. Com o sol, a chuva, os cuidados do agricultor vão se desenvolvendo e chegam a ficar maduros. Trata-se de um processo que, caso por caso, demanda tempo. Podemos falar de um laicato maduro em muitos sentidos e desdobramentos que não podemos esmiuçar no limite desta reflexão. Trata-se de termos na Igreja e na Ordem uma plêiade de leigos e leigas em nítido processo de amadurecimento. Não há pessoas completamente maduras, mas em processo de amadurecimento. Para os cristãos, a verdadeira maturidade se chama santidade. Podemos falar de uma maturidade humana, afetiva, cristã, franciscana e missionária.
14. No frenesi das coisas e da pressa de nossos tempos, na aceleração de tudo notamos que as pessoas querem tudo muito rapidamente. Não dão tempo ao tempo e o processo de maturação. Imaginemos, caricaturalmente, uma situação. Um moço tem seus 15-16 anos. Estuda sem estudar de verdade. Tem pai e mãe, mas não é de fato envolvido por eles num processo de educação. Encontra-se com uma menina, vive um envolvimento amoroso, abandona essa, se casa com outra, faz faculdade, exerce a profissão, mas não visita seu interior. Casa-se e se separa. Passa a pagar pensão para o filho. Depois é convidado a frequentar uma dessas igrejas novas. Como é que esse moço pode crescer em maturidade? Nota-se que muitos se tornam maduros, desenvolvidos em partes de sua vida e não realizaram uma maturação global e integrada. São técnicos de informática mas não têm domínio algum sobre outros aspectos de sua personalidade. São infantis e imaturos. Não nos esquecemos que muitos desses podem ser membros de nossas fraternidades e eventualmente serem escolhidos para fazerem parte do Conselho. Não se compra maturidade nas gôndolas e prateleiras dos centros comerciais.
15. Traços humanos de maturidade
>> O homem é mais do que sua aparência. Uma pessoa adulta ou em processo de maturação não julga pelo exterior. Sabe que os verdadeiros valores pessoais e dos outros estão no interior.
>> É sobretudo um ser de relações. Será maduro quando souber viver serenamente os relacionamentos entre as pessoas.
>> Maduro é aquele que vai organizando um projeto de vida, tendo um buquê de convicções, não se deixando atropelar por emoções e pelos caprichos dos acontecimentos.
>> Maduro é aquele que consegue desenvolver boa parte das dimensões de seu ser: inteligência, vontade, afetividade, profissão, arte da convivência. Adulta é a pessoa que sabe realizar projetos com outros.
>> O adulto não é marcado pela agressividade e susceptibilidade. Possui serenidade e segurança interiores.
>> A pessoa em processo de maturação não se considera o centro do mundo e das atenções e vai aprendendo a fazer o êxodo de si e ser solidária.
>> Dizemos que o adulto é pessoa em processo de maturação e, persistente, sem ser teimosa.
>> É criativo: não se contenta a repetição do que foi visto e vivido.
>> Sabe recolher as lições do passado e adivinha os passos a serem dados amanhã.
>> É capaz de buscar o silêncio, a reflexão. Viaja ao fundo do coração.
>> Não é ingênuo, mas tem senso crítico e sabe discernir.
>> Tem senso de responsabilidade e aprendeu a assumir compromissos.
>> Tem senso de humor: é capaz de rir de si mesmo. Sabe conjugar alegria e seriedade.
>> Madura é a pessoa que não é doentiamente dependente, mas autônoma. Sabe respeitar as pessoas. Não tem desejo de posse.
>> Tem flexibilidade de julgamento, guardando distância entre a dureza ou a teimosia e o deixar que as coisas corram por correr.
>> Maduro é aquele que tem critérios e não se deixa influenciar por modismos ou fanatismos que passam.
>> Maduro é aquele que tem capacidade de escutar, de dialogar, saber esclarecer-se pela fala do outro, dar sua colaboração para que situações sejam revertidas.
16. Traços do leigo cristão em processo de maturação
>> É fundamental que fique bem claro: clérigo é clérigo, religioso é religioso e leigo é leigo. Cada um destes tem sua especificidade e, consequentemente, terão expressões diferentes no mundo e na Igreja.
>> Pessoa cristãmente madura é aquela que se deixa guiar pelo Espírito e não pela carne, pelo desejo de aparecer e de atribuir a si o que é dom de Deus. O cristão é formado pela ação do Espírito em sua vida e na comunidade cristã que frequenta.
>> Trata-se de uma pessoa que vai dando uma resposta pessoal e comunitária ao Evangelho e suas exigências ao longo de sua vida, percorrendo um caminho constante de busca do Senhor. Esse caminho podemos chamar de “conversão”.
>> Pessoa que tem senso de comunidade. Não vive uma religião privada e particular. Sabe que o Ressuscitado se manifesta no coração da comunidade cristã.
>> O cristão em processo de maturação leva uma vida de oração sólida. Tem aguçada preocupação com seu crescimento na intimidade com o Senhor. Vive alegria particular em rezar com os irmãos. Valoriza, de modo especial, a Eucaristia. Participa o mais que pode da missa.
>> Cristão leigo maduro é aquele que não se atém a aspectos menos centrais do cristianismo: procissões, devoções, apego exagerado aos santos. Maduro é o cristão que vive intensamente em sua vida pessoal o mistério da Páscoa: morte e ressurreição com Jesus. A espiritualidade das espiritualidades é a do mistério pascal.
>> Pessoa cuja fé é centrada, efetivamente, na pessoa de Cristo que busca com ardor e constância. Frequenta o evangelho e tenta se revestir do espirito evangélico.
>> Está em processo de amadurecimento aquele que busca a unidade, na diversidade.
>> É capaz de se re-situar na vida. Enxerga os desafios e tem confiança de que poderá superá-los.Pensamos aqui no caso de alguém que perde um ente querido, que é tocado por uma grave enfermidade em casa. Tem compreensão da dimensão luminosa do sofrimento e da cruz.
>> Mostra sintomas de amadurecimento o cristão que sabe colocar-se à disposição do Senhor em diferentes circunstâncias.
>> Na medida em que vai fazendo sua caminhada humana e cristã tenta poder dizer com Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”.
>> Não se deixa levar pelos carismas exteriores e vistosos. Prefere ocupar um lugar discreto.
>> É perseverante em seus propósitos. Seu sim e sim e seu não é não.
>> Tem um aguçado senso de Igreja, sobretudo do profundo mistério da Igreja que é criatura de Deus, esposa de Cristo, Corpo Místico de Cristo.
>> Vive a dinâmica do ver-julgar-agir. “A missão do leigo na sociedade apresenta-se hoje à consciência cristã como uma forma de evangelização, em que aspectos diversos podem ser acentuados, conforme o apelo das circunstâncias e a vocação pessoal de cada um: quer na transformação das realidades terrestres, pela ação social e política, quer no anúncio da mensagem evangélica pela palavra, pelo testemunho de vida e pelo diálogo, sempre em atitude de serviço inspirada pelo Cristo que veio para servir” (Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas, Doc. CNBB 62, p. 103).
17. Maturidade franciscana
>> O franciscano está em constante estado de amadurecimento. Hoje, toda a Ordem anda preocupada com a formação permanente.
>> De alguma forma, com o decorrer do tempo, o franciscano como que respira o ar dos primórdios do carisma franciscano e clariano. No tempo da formação, ele vai se identificando com o jeito franciscano de viver. Traz o carisma para os dias de hoje.
>> Cresce na intimidade do Senhor: frequência às páginas do Evangelho, familiaridade com o Evangelho vivo que se chama Jesus Cristo.
>> Vive um estilo de vida despojado: não gosta de ser protagonista de coisas grandiosas. É despojado no vestir, no uso das coisas, sem aferrar-se às suas opiniões.
>> Instaura a paz onde há querelas, divisões e partidos. É construtor da paz.
>> Sabe que a fraternidade é elemento importante em seu gênero de vida: fraternidade local, fraternidade com os membros da família franciscana, instauração de fraternidades cristãs por onde passa. Coloca-se à disposição de sua fraternidade local. Inventa meios e modos de fazer com que as pessoas façam experiências solidas de verdadeira fraternidade. Para o franciscano secular a fraternidade em que vive é parábola do reino.
>> Sabe subordinar seus projetos aos projetos de Deus em sua vida, na fraternidade e na comunidade.
>> Maduro quando tenta alternar de maneira equilibrada e sábia momentos de contemplação e ação no mundo.
18. Por que se tornou difícil o processo de amadurecimento?
>> Uma pessoa em sério processo de amadurecimento, em vias de tornar-se adulta de verdade, é uma preciosidade. As pessoas amadurecem ao longo da vida, percorrendo as estações da existência, na sucessão de experiências pessoais e comunitárias, na paciência do tempo. Cada biografia tem suas marcas próprias de amadurecimento existencial.
>> É preciso dar tempo ao tempo. O amadurecimento se faz através da lentidão do tempo. Andamos todos apressados, temos muito que fazer, fazer rapidamente e assim fica difícil que os amores, as falas, os escritos, a família, a fraternidade franciscana amadureçam.
>> Sem uma verdadeira escala de valores e sem respeito pela transcendência fica difícil o processo de amadurecimento. Vivemos num tempo de profunda crise ética e assim muitos somos desarrumados interiormente.
>> Há a prevalência da lei do menor esforço, do desejo de se obter aqui e agora e já o que se deseja.
>> Estamos no mundo do individualismo, marcado pelo desejo de aproveitar a vida. Multiplicam-se as experiências sexuais desde o tempo da adolescência.
>> Uma pessoa amadurece quando assume compromissos. Ora, vivendo compromissos “leves”, pulando de meta em meta sem esgotar as riquezas do primeiro compromisso, o interior das pessoas não chega a se arrumar de verdade. As pessoas têm medo de compromissos definitivos. Têm receio de serem escravizadas por camisas de força (casamento definitivo, vida religiosa, profissão).
>> Diante de um leque imenso de possibilidades e eventualidades as pessoas se acham perdidas e, indo de um lado para o outro, de Seca a Meca, não se aprofundam em nada. Diante do imenso leque de possibilidades as jovens gerações têm dificuldade de amadurecer.
>> Há a questão do amadurecimento cristão das novas gerações. Muitos são simplesmente “catequizados” por um tempo e não vivem um contato permanente com a fé e suas mais sólidas expressões. Falta uma catequese familiar, ou simplesmente uma família sólida. Nossas paróquias não conseguem fazer com que bom número de cristãos conheçam um crescimento sistemático da fé. Não favorece a maturação da fé uma sacramentalização apenas com pinceladas de evangelização.
>> Sem visitas constantes e regulares ao interior as pessoas podem conhecer dificuldade de um crescimento mais sistemático.
>> O mundo das imagens e do som pode ser obstáculo ao amadurecimento tomado globalmente.
19.Desafios e urgências
>> Todas as reflexões que aqui foram feitas colocam os franciscanos seculares diante de urgências e de desafios.
>> Os franciscanos seculares experimentam alegria de serem leigos e não têm “saudades” ou “desejo” de serem clérigos. Mesmo quando prestam serviços à paróquia ou à diocese em diversos setores do culto e da evangelização são pessoas que experimentam alegria muito grande de serem fiéis cristãos leigos. Sabem que sua missão é colocar a força do evangelho nas coisas do mundo.
>> Os franciscanos seculares se aproximam bastante do modo de ser e de agir da Ação Católica com seu famoso e bem provado método do ver-julgar-agir. São peritos na arte de examinar a realidade e tentar impregná-la da espiritualidade evangélico-franciscana. Assim, dão largos passos na linha de sua maturação cristã. Fala-se de uma militância dos leigos.
>> Fazem de sua casa uma verdadeira Igreja doméstica, com toda maturidade de uma espiritualidade leiga. Tudo leva a crer que as fraternidades franciscanas seculares, na medida do possível, deveriam poder contar com um número razoável de casais. Em muitos momentos no “território” e na vida das fraternidades sejam promovidos encontros com as famílias. Dentro do espírito da secularidade os franciscanos seculares exercem grande apostolado no seio da própria família e junto a outras famílias. Vivem franciscanamente a espiritualidade conjugal e familiar.
>> Adotam uma postura de simplicidade e de pobreza evangélica num mundo de sofisticação, de esnobismo, de consumismo e de gastança. Assim “fermentam” evangelicamente a realidade. Visibilizam-se como seguidores do Francisco amante da pobreza.
>> Os franciscanos seculares estarão presentes com frequência e competência no bairro que moram, na rua onde residem. As alegrias e dramas de seus vizinhos são suas alegrias e seus dramas. Desta formam “exprimem” seu desejo de proximidade da vida das pessoas.
>> Adotam posturas de ética que transpiram convicções evangélicas. Tal se dá individualmente, no jeito como reagem em suas fraternidades. No dia a dia de suas vidas serão conhecidos como pessoas que tomam decisões na linha da justiça inspiradas no evangelho. Não é um jeito de tornar expressiva a OFS?
>> Sabem dialogar a respeito dos grandes temas da atualidade: novas formas de casamento, crise econômica, transformações na bioética. Por isso, os formadores saberão sempre trazer pessoas capazes de conversar com os irmãos sobre esses e outros grandes temas da atualidade.
>> Trabalham com lucidez nas diferentes frentes de pastoral. Os franciscanos seculares estão à disposição dos Conselhos de Pastoral. Estão dispostos a trabalhar na catequese, na evangelização, na animação de grupos de reflexão e mesmo na liturgia e no serviço do alto. Fazem tudo sem perder sua “laicidade”. Não se deixam envolver por uma “promoção” ao estado clerical. Este aspecto é particularmente delicado. Os párocos e seus colaboradores contarão com a colaboração dos terceiros desde que não percam sua características de cristãos seculares. A OFS não é uma “pastoral” da paróquia, mas um movimento suscitado pelo Espírito para colocar alma nova em tudo, também na pastoral.
>> Os que trabalham na pastoral querem uma conversão da pastoral. “A conversão pastoral de nossas comunidades exige que se vá além de uma pastoral de conservação para uma pastoral decididamente missionária. Assim será possível que o único programa do Evangelho continue introduzindo-se em cada comunidade eclesial com novo ardor missionário, fazendo com que a Igreja se manifeste como mãe que vai ao encontro, uma casa acolhedora, uma escola permanente de comunhão missionária” (Doc. Aparecida, n. 370).
>> Nunca trabalharão na linha de uma mera sacramentalização. Os franciscanos seculares precisarão “incomodar” no sentido de apontar para a necessidade de se refazer o tecido comunitário e fraterno e que se procure fazer uma evangelização que atinja o nó de cada pessoa e as insira na comunidade, na utopia da comunidade.
Conclusão
“Os franciscanos seculares estejam presentes… no campo da vida pública: colaborem, quanto lhes seja possível, na elaboração de leis e de normas justas (cf.Regra 15). No campo da promoção humana e da justiça, as Fraternidades devem empenhar-se com iniciativas corajosas, em sintonia com a vocação franciscana e com as diretrizes da Igreja. Tomem posições claras quando a pessoa humana é ferida na sua dignidade em virtude da opressão e da indiferença, qualquer que seja sua forma. Ofereçam seus serviço fraterno às vítimas da injustiça. A renúncia ao uso da violência, característica dos discípulos de Francisco, não significa renuncia à ação; os irmãos, porém, cuidem que as suas intervenções sejam sempre inspiradas no amor cristão” (CCGG Art. 22)
Leituras
Exortação Apostólica Vocação e Missão dos Leigos, de João Paulo II
Missão e ministérios dos cristãos leigos e leigas (Doc. CNBB 62).
Carta a Diogneto (em torno de 150).
Questões e questionamentos:
O quem mais chamou sua atenção neste texto?
De modo geral quando é que se pode dizer que um cristão-franciscano está em serio processo de crescimento?
Como aplicar à realidade o método ver-julgar-agir?
Sinais de maturidade e de imaturidade no momento atual da vida da Igreja e de nossas fraternidades.
Que expressão tem sua fraternidade local na diocese, na paróquia e no mundo?
(*) Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III
Assistente Nacional da OFS pela OFM e Assistente Regional do Sudeste III
Fonte - Site Franciscanos
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