Quando tudo se assemelha a treva, onde o sol, já tão distante, parece se esquecer de enviar seus raios que trazem a luz, o calor, nfim, a possibilidade da vida; dando lugar ao frio, ao medo, à tenebrosa sensação de estarmos sós neste grandioso universo, por não conseguirmos enxergar, e a esperança parece oscilar entre a pouca vida que lhe resta e a morte, que lhe parece iminente; Deus, Aquele para o qual a treva parece dia, em seu amor infinito por sua criação, envia luminares que, por seu testemunho, revelam sua face amorosa e sua constante presença capaz de, não só espantarem a treva, mas encherem de ânimo novo na busca pelo encontro e reaproximação do sol.
Tais luminares são enviados a partir de um convite que, na liberdade, respondem afirmativamente, pois estão inebriados de tal maneira pela chama desse amor, pela qual se deixam seduzir, que se entregam totalmente à vivência desta doce e desafiante proposta. E, assim, são sustentados em sua chama por este amor manifesto e personificado em Jesus Cristo. Desta forma, são para os seus contemporâneos e para os vindouros, não só um rompimento de paradigmas, de afugentamento da treva e reavivamento da esperança, mas auxílio na devolução ou atribuição de sentido à sua existência.
Francisco de Assis, com certeza, é exemplo de luminar. Numa época em meio aos grandes conflitos de poder, à vida humana de uma minoria não sendo tratada com a dignidade que lhe é devida, à instituição Igreja, não sendo mais meio pelo qual os fiéis buscam a Deus, mas se tornando finalidade em si mesma; a figura desse poverello possibilitou a humanidade, primeiramente aos seus contemporâneos e conterrâneos, mas depois à todos homens e mulheres da terra, a oportunidade de se questionar acerca do que estão sendo/fazendo com suas existências.
Por seu amor à proposta de Jesus, expressa no Evangelho, transforma a sua vida de tal maneira que não encontra uma forma de vida só para si, mas se torna guia e exemplo para muitos que, imbuídos pela mesma chama, querem com ele formar fraternidade. Uma fraternidade que não se resume somente aos irmãos que o Senhor lhe envia (cf. Test 14) para serem frades, mas com toda a obra criada, com todo o cosmos, ao qual faz incessante convite à vivência do amor. Para tanto, demonstrando imensa liberdade, desvencilhou-se de tudo aquilo que ele interpretou como impedimento à sua entrega total, demonstrando que a dignidade do ser não deve se prender às resistentes estruturas da exacerbação do ter, mas liberto de suas amarras, ser livre para amar.
Seria isso loucura? Depende do que colocamos como critério de avaliação. Se para nós a busca somente de uma vida material bem sucedida, fazer o que todos em nosso convívio fazem e, sempre fizeram, é sinal de sanidade mental, então ele era louco. Mas se a busca pela autenticidade de vida, que traz em si um grito pela liberdade de ser, é critério para a tal sanidade, então Francisco é verdadeiramente são; e nos convida à sanidade de uma vida pautada na liberdade. Mas se de fato, ainda persistir questionamentos acerca da loucura, que a seja de fato, mas uma loucura que é comparável à mesma loucura que levou Jesus à cruz: a loucura do amor (como nos demonstra São Paulo). Mesmo assim, a liberdade não fica descartada, pois se é amor, necessariamente implica liberdade, portanto verdadeira autenticidade.
A busca pela autenticidade da vida traz em seu bojo adversidades tais que exigem daquele que enfrenta tal jornada a coragem, a força, a humildade e a perseverança diante das tempestades; que para Francisco não foram poucas. Porém, um amor tão inebriante como este, e também desafiante, não abandona o poverello à sua própria sorte; e, num mistério profundo, faz com que o corpo do amante se torne semelhante ao corpo do amado, numa relação dialógica tal que ambos se confundem e, não mais, se podem separar. Tal mistério se materializa nas chagas que Francisco traz em seu corpo.
O fato ocorrido permanece na incógnita. Os seus biógrafos nos legam a figura de um serafim de seis asas, figura mística envolvida de simbolismos tais que trazem à nossa mente a dimensão de santidade, de algo que vem do Sagrado. Porém, mais importante do que um episódio como este, é o fato que as chagas demonstram em sua linguagem metafórica: o amor que transforma, que é fonte de esperança, sustento daqueles que nele confiam, capaz de gerar vida em plenitude e, traz em si, a santidade d’Aquele que é o amor por excelência.
O dia 17 de setembro foi o dia escolhido para celebrar a pureza desse amor que se doa, na vida de São Francisco. Assim, ao celebrarmos esta data, supliquemos ao Senhor que nos ajude a permanecermos sempre fiéis ao Seu amor.
Gustavo Marcel Filgueiras Lacerda,
vocacionado capuchinho

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