sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Profissão na OFS










A PROFISSÃO NA OFS: DOM E COMPROMISSO


Fr. Felice Cangelosi OFM Cap


I. A PROFISSÃO DOM DO ESPÍRITO


Os irmãos e as irmãos chamados à vida franciscana na Fraternidade Secular, emitem sua

Profissão dentro de uma celebração específica, segundo o Ritual próprio da OFS.


Este aspecto não pode ser descuidado, pois a celebração constitui o momento originário do

ser do professo e, ao mesmo tempo, é premissa dialógica para uma resposta à ação de Deus.


Realmente, as consequências do compromisso expresso pelo homem, por meio de uma promessa, têm sua origem num

compromisso anterior, o de Deus para com o homem.


A celebração da

Profissão atesta tudo isto porque é uma ação de Deus e evento de salvação. É um momento em que salvação alcança os fiéis:

1. dando-lhes a capacidade de emitir a promessa de vida evangélico-franciscana e

2. produzindo neles efeitos particulares da graça, que os qualificam para tarefas específicas no seio do povo de Deus.


Somente um homem santificado na ação litúrgica, onde experimenta a imensidade e a força do amor de Deus, é capaz de dar uma resposta de amor. Por outro lado, a celebração reflete o sentir da Igreja acerca da Profissão na Ordem Franciscana Secular. Realmente, a liturgia sempre é uma

profissão de fé, porque nela, isto é, em sua realização durante a ação ritual, a Igreja proclama autenticamente a própria fé no Mistério da Salvação, que se torna real nos fiéis, e por meio dos fiéis.

1. A graça da Profissão


Quem emite a Profissão na OFS diz:

"Tendo recebido esta graça de Deus, renovo as promessas do Batismo e me consagro ao serviço de seu Reino" (Rito da Profissão).


A dedicação ao serviço do Reino se realiza, porque é o Senhor quem dá a graça de se consagrar à causa do Reino.

A Profissão é

graça e dom do Espírito


O Espírito Santo é a fonte da vocação dos franciscanos seculares, (

Const. Ger. 11), e ungidos pelo Espírito a alcançar a perfeição da caridade em seu estado secular (Regra 2); igualmente a profissão é obra do mesmo Espírito. Portanto, a ‘Introdução’ nº 7 do Ritual afirma, que "o Ritual OFS manifestará claramente o dom do Espírito e o propósito de vida evangélica própria da Ordem Franciscana Secular".


A referência sublinha primeiro o dom do Espírito e depois o propósito da vida evangélica, pois, tal nem se podia pensar e nem seria possível sem a previsão e inspiração da graça do Espírito. Por isso mesmo, os candidatos declaram seu propósito de vida evangélica depois da invocação do Espírito Santo sobre eles:

"Pedimos-te, Senhor, que olhes a estes teus servos e

infundas em seus corações o Espírito de Teu amor, para que, com tua graça, possam manter o compromisso de vida evangélica" (Ritual II, 30).

2. A Profissão: ação da Igreja


A Profissão se realiza pela intervenção de Deus. E como Deus sempre atua através de Cristo, cuja sacrossanta humanidade é o ponto de encontro entre Deus e o homem, e hoje Cristo vive e atua por meio da Igreja, como conseqüência,

a Profissão é ao mesmo tempo ação de Cristo e da Igreja, isto é, de todo o Corpo de Cristo: Cabeça e membros.


A linguagem das Constituições
(42,1) é significativa, pois define a Profissão como um ato (ação) eclesial solene, e também do Ritual (Introdução 13) declara ser a Profissão, por sua natureza, um ato eclesial e público.


Trata-se de ambas as coisas: a Profissão é uma ação, um acontecimento e ainda melhor: um evento, um

kairós salvífico.

 

3. Profissão e Fraternidade


Tendo a clareza que a Profissão, por sua natureza, é um fato eclesial, uma ação de Cristo, pergunta-se quem são os sujeitos que, em concreto, acionam, ou melhor, como e em quem se torna visível e se manifesta a ação de Cristo e da Igreja.

Por
Igreja o ritual entende uma assembléia litúrgica completa, constituída pelo povo e a comunidade dos irmãos, ou seja: a Fraternidade Local da Ordem Franciscana Secular.


A fraternidade local, em primeiro lugar torna visível a presença e a ação da Igreja na Profissão.

Por tanto: "a Profissão, desde o momento em que, por sua natureza, é um ato público e eclesial, deve celebrar-se na presença da Fraternidade" (Ritual-Introdução nº 13).


A razão última de tal disposição se baseia na realidade da fraternidade local:

ela é um sinal visível da Igreja, que é comunidade de fé e amor (Regra, 22; Ritual II, 29d). A fraternidade local é, e deve ser, um genuíno cenáculo eclesial. Em virtude dessa razão intrínseca, os Franciscanos Seculares celebram o mistério da Salvação, reunidos em Fraternidade e em união espiritual com todo o povo de Deus, que nos foi revelado e comunicado em Jesus Cristo, com orações e ações de graças, renovando os compromissos de uma vida nova (Ritual-Introdução nº 3).


Por tal razão, a Profissão se emite diante da fraternidade reunida e a fraternidade acolhe o pedido dos candidatos, sendo a

Profissão um dom que o Pai dá à mesma fraternidade, associando-lhe novos membros.


Agradecida pelo dom, a Fraternidade se une à oração dos professandos, para que o Espírito Santo leve a término a obra por Ele iniciada.

O Ritual desenvolve sucessivamente

as relações com a Fraternidade criadas pela Profissão ou o compromisso de vida evangélica. Esta realiza a "incorporação à Ordem Franciscana Secular"; implica, portanto, na inserção vital numa família, a Franciscana, com todas as conseqüências derivadas da pertença à mesma família espiritual.


Simultaneamente,

a Profissão determina uma reciprocidade de atitudes, sentimentos, relações, deveres, direitos, etc..


A Introdução no nº 14 do Ritual, quando fala da natureza da Profissão na OFS, diz que ela inclui a confiança do candidato com base no apoio da Regra da OFS e na Fraternidade.

Efetivamente,o candidato sente-se conduzido e apoiado pela Regra, aprovada pela Igreja, e experimenta a alegria de participar do caminho de vida evangélica com muitos irmãos dos quais poderá receber, mas aos quais também poderá dar qualquer coisa. Incorporado na Fraternidade Local, que é uma célula da Igreja, proporcionará sua colaboração pessoal à renovação de toda a Igreja.

Em tais afirmações do Ritual se vislumbram:

-

o fundamento litúrgico da Fraternidade, que é justamente uma reciprocidade como a entendia São Francisco;


-

o fundamento litúrgico da pertença à Ordem Franciscana Secular. 3


É por esta razão que no Rito da Profissão se invoca : "A graça do Espírito Santo, a intercessão da Bem-aventurada Virgem e de São Francisco e a

comunhão fraterna me assistam sempre para conseguir a perfeição da caridade cristã" (Ritual, II, 31).


Por sua vez, expressa o Ministro da Fraternidade, que recebe a Profissão: "Demos graças a Deus.

Como Ministro te recebo nesta Fraternidade da Ordem Franciscana Secular. Tua incorporação é motivo de alegria e esperança para todos os irmãos" (Ritual, II,32).


Dois valores fraternos

emergem dos textos citados da Profissão na Ordem Franciscana Secular.


1. A

Profissão conduz o candidato a se encomendar ou a se entregar à Fraternidade. Pela Profissão se firma uma aliança com os irmãos, que jamais é lícito ferir. O sagrado valor da Profissão, por meio da qual se contrai um compromisso com Deus (Regra, 2; Const. 42, 2), inclui aspectos fraternos essenciais, somente compreensíveis e vividos à luz do mesmo "pacto jurado" com Deus.


2. À base do fundamento litúrgico,

a Profissão determina a incorporação a uma fraternidade local e, por meio dela, à Ordem Franciscana Secular. Percebe-se como a realidade, com origem na celebração da Profissão não é de natureza de número (uma simples inscrição na OFS), ainda que seja necessário redigir uma ata da Profissão. Mesmo tendo valor jurídico, o conceito e a realidade da incorporação superam as mesmas conotações e indicam a inserção num corpo vivo e a fusão com o mesmo organismo, constituindo uma única realidade. A incorporação comporta a transformação de várias realidades numa só através de um processo de absorção e assimilação. Isto não se pode pensar em simples termos adicionais (um + um), porque determina uma relação de extensão de um (o candidato) na outra (a fraternidade) e vice-versa, resultando um ser vivo maior e completo.


Na conclusão do rito de iniciação, o ministro se dirige aos novos membros da fraternidade com as palavras:

"Estimulai nossa Fraternidade com número, presença e comunhão" (Ritual I, 16).


Portanto, as relações com base na Profissão e, desde a Profissão, são de Ordem Espiritual e eclesial, em relação à fraternidade a que se incorpora o candidato, é

"a primeira célula de toda a Ordem e sinal visível da Igreja, comunidade de amor" (Regra 22; Const. 47,1).


4.

Os ministérios na celebração da Profissão


A ação da Igreja-Fraternidade celebrante se especifica em uma multiplicidade de ministérios exercidos por pessoas que, na assembléia litúrgica, são chamadas a desempenhar funções particulares.

4.1

Os candidatos


A ação de Cristo e da Igreja se expressam na

pessoa dos candidatos que celebram o ato da Profissão comprometendo-se a uma vida evangélica. São Batizados.


Consequentemente

a profissão é uma ação sacerdotal, própria de quem, em virtude do Batismo, pertence à Igreja, Corpo Sacerdotal, conformado a Cristo, Sacerdote, Rei e Profeta.


Os candidatos são ou deveriam ser confirmados. Portanto, a Profissão é uma ação sacerdotal, própria de quem, tendo recebido novamente o dom do Espírito Santo na confirmação, foi capacitado e purificado para celebrar a Eucaristia e os Sacramentos, para colocar sua vida em posição sacerdotal-cultual e, como conseqüência, para situar

o ato sacerdotal da Profissão.


4.2

O Ministro da Fraternidade


A

ação da Igreja torna-se visível concretamente também pela presença do Ministro da Fraternidade. Com clareza o dizem as Constituições e o Ritual:


"O Ministro da Fraternidade Local ou um seu delegado, recebe a Profissão


em nome da Igreja e da OFS" (
Const. 42,3).


"A Igreja aceita o compromisso e a profissão daqueles que se achegam à vida e Regra da Ordem Franciscana Secular, pelo Sacerdote e pelo Ministro que representa a Fraternidade"

(Ritual 9).


A Igreja atua mediante o sacerdote e o ministro, que representa a Fraternidade e a Igreja. O Ritual define com maior clareza o papel do Ministro da Fraternidade e o do presbítero que preside a celebração, ao afirmar:


"O compromisso de vida evangélica é recebido pelo ministro em nome da Igreja e da Fraternidade. O sacerdote preside esse rito como testemunha da Igreja e da Ordem".

(n. 16)


Na celebração da Profissão

o ministro da Fraternidade exerce um verdadeiro e próprio ministério litúrgico e tem a função de "sinal"; torna presente e manifesta a presença e a ação da Igreja no momento que a mesma Igreja e a Fraternidade recebem a Profissão através do Ministro.


4.3 O Sacerdote


O sacerdote que preside a celebração também se define como

"testemunha da Igreja e da Ordem" (Ritual-Introdução nº 17).


Para compreender a natureza de tal testemunho, necessário se faz superar as categorias jurídicas, pois

a ação e o acontecimento da Profissão é de natureza sacramental. Como conseqüência, o testemunho do sacerdote não é jurídico, antes sacramental e de santificação. O Sacerdote, na celebração da Profissão, claramente se vê, desempenha um papel de fiador.


Diante de acontecimentos decisivos que envolvem os cristãos e sua existência, a Igreja sempre assume uma atitude vacilante. Nas ações litúrgico-sacramentais se remarca a realidade da

Mater Ecclesia, legitimamente preocupada pela sorte de seus filhos. Daí derivam e se encontram as suas justificativas, os escrutínios ou as perguntas dirigidas aos pais antes do Batismo, aos confirmandos, aos que vão ser ordenados, aos noivos antes do consenso matrimonial, aos que vão emitir os votos religiosos ou o propósito da castidade.


Daí brotam e encontram-se do mesmo modo suas justificativas, as perguntas aos que querem fazer sua Profissão na Ordem Franciscana Secular.

Inquirir e receber as respostas compete ao sacerdote, porque é através dele, que a Igreja quer estar segura de que se tem consciência do significado da Profissão e de suas reais intenções, da parte daqueles que desejam tomar parte na Ordem Franciscana Secular. E não é só: enquanto é ação eclesial e, por ela, a Profissão na Ordem Franciscana Secular deve ser confirmada pela Igreja. Esta confirmação também compete ao Sacerdote, que após a leitura da fórmula da Profissão por parte dos candidatos, diz:

"Em nome da Igreja eu confirmo vossos compromissos" (Ritual II,33).


Como consequência, na celebração da Profissão, o Sacerdote::


      1. é testemunha
      2. que atesta e manifesta a presença e a ação da Igreja;
      3. é fiador
      4. , que dá seu aval à Igreja, sobre a idoneidade dos candidatos,
      5. e ratifica e confirma
      6. os compromissos em nome da Igreja.


      5. O dom do Espírito Santo na celebração da Profissão


      Além disso, o papel do Sacerdote transcende ao exercer a função de

      santificar, próprio das ações litúrgicas.


      Além disso,

      a Profissão na Ordem Franciscana Secular tem como finalidade a santificação de todos aqueles chamados a seguir a Cristo, segundo o exemplo de São Francisco, permanecendo, contudo, no seu estado secular. 5


      A santificação é sempre obra do Pai; no entanto, essa passa através da mediação de Cristo e da Igreja, realizando-se no Espírito Santo. Logo, a mediação de Cristo e da Igreja se manifesta, sobretudo, na ação do Sacerdote, porque só ele atua

      in persona Christi.


      À luz dessas premissas o Ritual da Profissão afirma:


      "A Igreja

      aceita o compromisso e a profissão daqueles que se achegam à vida e Regra de Ordem Franciscana Secular por meio do Sacerdote e do Ministro, que representa a fraternidade; pede para eles a ajuda e a graça de Deus numa oração pública; derrama sobre eles sua bênção e associa seu compromisso ou profissão ao sacrifício eucarístico" (Introdução 9).


      Os elementos que brotam do Ritual são realmente fundamentais para compreender a função da Igreja na celebração da Profissão. O texto repropõe a necessidade da confirmação da Profissão por parte da Igreja, mas sublinhando que a Igreja se faz presente na celebração da Profissão para orar e invocar. A Igreja invoca sobre os que fazem a Profissão os auxílios e a graça de Deus e, sobretudo, abençoa.

      Na ação litúrgica da Profissão na Ordem Franciscana Secular

      se invoca o Espírito Santo, assim como se invoca na celebração da Eucaristia e dos outros sacramentos, na Profissão Religiosa, na Consagração das Virgens, etc.. Portanto, na celebração a Profissão se configura como epíclesis1, em virtude da invocação eclesial pedindo o dom da graça e a infusão (infunde) do Espírito Santo sobre os que foram chamados a seguir os passos de Cristo na vida evangélica franciscana.


      Em cada celebração litúrgica, inclusive também na celebração da Profissão, o Espírito Santo invocado vem, se faz presente, atua e transforma. Por isso

      a profissão se configura como um Pentecostes, uma efetiva epifania do Espírito que consagra e transforma os que prestam seu compromisso de vida evangélica na Ordem Franciscana Secular.


      6. Profissão e Eucaristia


      Por meio do Sacerdote a

      Igreja associa o compromisso ou Profissão ao sacrifício eucarístico. O Ritual reserva uma atenção particular a este aspecto, prescrevendo que o "Rito de Compromisso de vida evangélica ou Profissão celebre-se durante a Missa".


      Na Eucaristia, a celebração da Profissão exprime a intrínseca

      dimensão de oblação e sacrifício da profissão de vida evangélica na Ordem Franciscana Secular.


      Na Profissão realizada perante a Fraternidade e a Igreja se manifesta a realidade de sacerdotes e vítimas, própria dos candidatos que, proferindo seu compromisso de vida evangélica, ofertam sua inteira disponibilidade a Deus e colocam seu próprio corpo (sua pessoa) sobre o altar do sacrifício de Cristo, como vítima santa agradável a Deus.

      Em tudo isso se visualiza

      a íntima relação entre a Profissão e a Eucaristia, na qual se faz presente simultânea e sacramentalmente tanto o sacrifício que faz de si


      1

      Epíclesis é o nome que recebe na celebração da Missa, a parte dedicada ao Espírito Santo. Deriva do termo grego epíklesis. Como não é possível liturgia alguma sem a presença do Espírito Santo, a epíclesis é uma dimensão fundamental de toda celebração litúrgica. E sendo que o Espírito Santo está presente e atua na vida da Igreja, sua presença e atuação são requeridas para a vida dos membros do corpo de Cristo, especialmente, na ação litúrgico-sacramental. Em todo sacramento ou ação litúrgica, quanto acontecimento de culto da nova economia da salvação "em espírito e em verdade", sempre está presente o Espírito Santo atuando em plenitude: sempre há lugar para a introdução do Espírito Santo por meio de sua presença invocada. 6


      mesmo Cristo-sacerdote, como os dos neo-professos o fazem de si mesmos ao Pai.

      O que afirmamos da celebração da Profissão tem seu valor para a vida que parte da mesma ação ritual, porque esta é o fundamento de uma vida cristã intrinsecamente marcada por uma conotação litúrgica e polarizada na permanente glorificação de Deus.

      Com efeito, a

      Profissão não é um ato instantâneo, tão pouco uma ação isolada da vida; pelo contrário, é um compromisso de vida e para a vida. O ato da profissão, circunscrito no tempo, determina uma nova situação essencial, coloca em estado de professos e esta é uma condição permanente a ser vivida á luz de sua condição primária, na celebração intrinsecamente unida à Eucaristia.


      .Como conseqüência, a relação Profissão-Eucaristia deve ser vivida por toda a vida e adquire plena autenticidade quando é perpassada pela Eucaristia (a

      b Eucharistia ad Eucharistiam).


      Por isso, introduzindo, a celebração do compromisso de vida evangélica ou Profissão, um irmão secular ou o mesmo celebrante, admoesta aos presentes com estas ou semelhantes palavras:

      "Na ação de graças (a Eucaristia) ao Pai, por Cristo, temos hoje um novo motivo de agradecimento...

      chamados ao seguimento de Cristo, que se ofereceu a si mesmo como hóstia viva para a vida do mundo, somos insistentemente convidados, hoje em especial, a unir nossa oferta com a de Cristo" (Ritual II,24).


      Realmente, deve manifestar na Eucaristia a perpétua oferta de Cristo, expressa no momento da profissão e, da Eucaristia deve fluir na vida dos professos a eficácia do Sacrifício de Cristo, que confirma e sela o compromisso de vida evangélica, sempre de novo proposto, para que a vida do franciscano secular assuma um ritmo de desenvolvimento cada vez maior, à luz do mesmo acontecimento inicial da Profissão.


      7. Batismo e Profissão


      Sendo uma ação de Igreja, a Profissão de compromisso evangélico na Ordem Franciscana Secular, ela produz efeitos eclesiais. Afirma claramente a Regra em um de seus artigos mais densos de conteúdo teológico:

      "Sepultados e ressuscitados com Cristo no Batismo, que nos faz membros vivos da Igreja, e a ela mais estreitamente unidos pela Profissão, tornem-se testemunhas e instrumentos de sua missão entre os homens, anunciando a Cristo com a vida e com a palavra" (Regra 6).

      O elemento primário que emerge deste fundamental enunciado da Regra, é a relação Batismo-Profissão, da qual brotam as relações do franciscano secular com a Igreja. As Constituições e o Ritual insistem sobre a relação entre o Batismo e a Profissão. Os textos legislativos e litúrgicos da Ordem Franciscana Secular fazem aflorar no coração e na mente dos franciscanos seculares a realidade do Batismo. Isto é graça, é dom inestimável que


      - produz uma consagração;

      -representa sacramentalmente o mistério pascal de Cristo morto, sepultado e ressuscitado;

      - os torna membros vivos da Igreja-Povo-de-Deus.


      A adesão à Ordem Franciscana Secular e nela à Profissão, tem a finalidade de "viver com maior empenho e fidelidade a graça e a consagração batismal" (Ritual, 1). O 7

      esforço e a diligência em viver o Batismo, que por si são exigidos a todos os cristãos, para os franciscanos seculares, depois da Profissão, dá-se em consequência de uma ação litúrgica e de um evento salvador, que incide sobre o mesmo Batismo.

      Parece-nos, portanto, poder afirmar que se é fato que o Batismo é "um" e a Profissão não é considerada como um novo Batismo, verdade também é que a profissão produz alguns efeitos particulares sobre o organismo sobrenatural do cristão, gerado pelo Batismo. O Ritual dá luz à ação específica da Profissão sobre o Batismo, utilizando os verbos

      renovar, manifestar, atuar.


      7.1
      Memória do Batismo


      A Profissão recorda a consagração e as promessas batismais. Por essa razão, com precisão absoluta, a Profissão na Ordem Franciscana Secular foi definida como "Memória do Batismo".

      O termo memória não tem seu sentido do nosso "recordamos"; quer dizer: vamos ao nosso passado, antes é um movimento, que do passado alcança o presente, pelo qual tudo o que sucedeu no passado, por força do Espírito Santo, está agora presente e eficaz.

      Aqui está o sentido bíblico de "Memorial", e é sob essa luz que se deve entender a Profissão, como

      memória vivente do Batismo. Nesse sentido, "fazer memória" significa viver o Batismo, e também que o sacramento pelo qual começamos nossa vida, renove a vida atual.


      7.2
      Atuação do Batismo


      A Profissão, por fim, está ligada a um particular modo de viver o Sacramento do Batismo e uma revitalização do mesmo.

      De fato, o Ritual (Introdução 1) fala de uma grande estima pelo dom do Batismo, e nele

      se revela sempre mais plena e atua frutuosamente". A linguagem é mui semelhante a dos documentos que o Concílio Vaticano II e do Post-Concílio usam, quando falam da Profissão dos religiosos: esta é uma especial consagração com suas profundas raízes na consagração batismal e é a expressão mais perfeita delas.


      A Profissão dos religiosos, como a dos franciscanos seculares, são consideradas como uma epifania do batismo. Não só, mas também uma atuação mais completa e frutuosa ou uma expressão mais perfeita.

      Percebe-se que a Profissão produz um

      fruto, um reforço, um enriquecimento do Batismo. Na celebração da Profissão a específica vocação franciscana secular, confirmada pela ação corroborante (robur-roborare) do Espírito, enriquece o organismo espiritual e lhe confere plenitude para o testemunho de Cristo e a edificação do Corpo Eclesial. Por isso, através da Profissão, as potencialidades implícitas no Batismo afloram levando à ação, porque a Profissão atua no batismo, incide nele, o marca e o desenvolve, expõe uma novidade e produz uma nova efusão do Espírito.


      8. A relação com a Igreja


      A relação fundamental do cristão com a Igreja se estabelece desde o Batismo, porque é ele que introduz os filhos regenerados pela água e pelo Espírito no Povo de Deus-Corpo de Cristo.

      Da Profissão nasce uma nova relação com Igreja, isto é, a fundamental relação batismal, renovada e aperfeiçoada na Confirmação, que se faz mais forte, mais estreita. De fato, a Regra da Ordem Franciscana Secular diz:


      "Sepultados e ressuscitados com Cristo no Batismo, que os torna membros vivos da Igreja,

      e a ela mais estreitamente unidos pela Profissão…" (Regra 6.)


      O Ritual recalca quando pede aos professandos: 8

      "Constituídos pelo Batismo, membros do Povo de Deus, fortalecidos na Confirmação pelo renovado dom do Espírito Santo... quereis

      servir mais fielmente a Igreja?" (I,29).


      Dos referidos textos deduz-se que a Profissão inicia uma nova relação com a Igreja; simplesmente afirma que a Profissão na Ordem Franciscana Secular desenvolve e intensifica a relação batizado-confirmado com a Igreja. Mas do vigor da linguagem dos textos nota-se também a profundidade da relação do franciscano Secular professo com a Igreja. Não é diferente do simples batizado-confirmado, é esta uma relação mais forte e mais estreita (

      (fortius et actius).


      9. Testemunhas e instrumentos da missão da Igreja


      Os documentos pouco realçam a relação e o vínculo mais forte com a Igreja, cuja expressão máxima é a Profissão, com a missão eclesial dos franciscanos seculares.

      De fato:

      - "Sepultados e ressuscitados com Cristo no Batismo, que os torna membros vivos da Igreja e a ele mais estreitamente unidos, pela Profissão,

      sejam testemunhas e instrumentos de sua missão entre os homens, , anunciando a Cristo com a vida e com a palavra".


      - Inspirados em São Francisco e com ele chamados a construir a Igreja, empenhem-se em viver em plena comunhão com o Papa, os Bispos e os sacerdotes, num aberto e confiante diálogo de criatividade apostólica". (Regra 6).

      Tudo o que Regra contém se amplia e se desenvolve nas Constituições e no Ritual e juntamente desses documentos despontam os tópicos essenciais da missão dos franciscanos seculares, intrinsecamente orientados para a

      construção da Igreja.


      O frequente recurso nos documentos do termo

      construir-construção é de modo particular de muita significação, porque evoca imediatamente a missão confiada a Francisco pelo Crucifixo de São Damião e de sua específica índole eclesial. Francisco e seus filhos receberam do Senhor o dom de se entrelaçar no tecido vital do povo de Deus, para que este possa sobressair no mundo e nele viver como "sacramento universal de salvação".


      Contudo, a missão dos franciscanos seculares não se define em função de desenvolver atividades particulares, se não em função de seu ser.

      "A fidelidade ao próprio carisma, franciscano e secular, e ao testemunho de sincera e aberta fraternidade, são o seu principal serviço à Igreja.

      "Sejam reconhecidos na Igreja por seu "ser" da qual emana sua missão". (Const. 100,3).


      Em consequência, o interesse da Regra, das Constituições e do Ritual é o de evidenciar a estância de uma autêntica

      vivência eclesial, conforme o vínculo mais forte e mais estreito que os franciscanos seculares, através da Profissão, contraíram com a Igreja. Este vínculo é, sobretudo, de comunhão; este é o elemento base da Igreja, que se afirma em nível concreto e existencial, na vida de cada dia. É o dever do testemunho, que primeiro no Batismo e depois na Profissão norteia os franciscanos seculares, pois, brota precisamente de uma íntima essência da Igreja, que é a comunhão de fé e de amor.


      A insistência da Regra e das Constituições no testemunho pretende inculcar sempre mais nos irmãos e irmãs da Ordem Franciscana Secular, a consciência de que sua existência na Igreja é justificada somente pela autenticidade de sua vida.

      Pede-se aos Irmãos e Irmãs da Penitência oferecer continuamente, em todas as circunstâncias da vida, a prova suprema de sua fidelidade a Deus; justificar ao mundo a esperança de que estão possuídos e testemunhar de forma indiscutível sua fidelidade à 9

      aliança firmada com a Igreja no momento da Profissão.

      Portanto, todas as indicações sobre o dever de serem

      testemunhas da missão da Igreja e anunciar a Cristo com a vida e com as palavras, e de expressar "seu apostolado preferencial" com "o testemunho pessoal no ambiente em que vivem" e com o "serviço para a edificação do reino de Deus nas realidades terrenas", contidas na Regra, nas Constituições e no Ritual, são acolhidas e traduzidas na prática com pleno conhecimento da riqueza de conteúdo posto em evidência pelo tema do testemunho cristão, que é "o" dever fundamental dos discípulos do Senhor.


      II. O COMPROMISSO DA PROFISSÃO

      10. Consagração


      A fórmula da Profissão na Ordem Franciscana Secular é:

      "Eu, NN, tendo recebido esta graça de Deus, renovo as promessas do batismo e

      me consagro ao serviço de seu Reino (Ritual, 11,31)".


      A "Introdução" atesta:

      "Esta é a natureza do compromisso de vida evangélica: renovação da consagração e das promessas batismais e de confirmação. Isto significa:

      consagração a Deus, a seu povo, com todas as consequências advindas da relação com a vida de união com Deus e seu projeto de salvação, mediante uma consagração a ser vivida no mundo" (14ª).


      O Ritual usa o verbo

      consagrar, atribuindo-lhe o significado de entrega de corpo e alma, isto é, dedicar, reservar, destinar a Deus algo ou uma pessoa, a seu exclusivo serviço. É evidente que no contexto específico do Ritual da Ordem Franciscana Secular trata-se de pessoas e, em consequência, são estas mesmas as que devem com plena liberdade e conhecimento, oferecer-se e entregar-se ao Senhor.


      Neste perfil, a Profissão é um ato pelo qual uma pessoa se coloca nas mãos

      (mancipar=manus capere) de Deus e se deixa tomar por Ele, e, conseqüentemente, desde o preciso momento da Profissão, a mesma pessoa não se pertence mais, mas é considerada totalmente tomada, como que expropriada, com plena, total, incondicional disposição de Deus. Em virtude da Profissão a pessoa é propriedade de Deus sendo por isso "sagrada".


      O verbo

      consecrare e o correspondente substantivo consecratio realmente indicam o ato pelo qual Deus toma posse da pessoa, habilitada pelo seu dom da graça. Ele a atrai e ela se entrega totalmente e Deus lhe impõe um selo de sua exclusiva propriedade.


      De per si, o valor da consagração está em sua dimensão descendente: o homem

      é consagrado, recebe a consagração de Deus, que o atrai a si e o transforma interiormente para que possa viver a exigência de um mundo superior.


      11. O valor da Profissão na OFS


      Aqui se insere o valor dos termos

      Profissão e Propósito e da expressão Promessa de Vida Evangélica, presente na Regra, nas Constituições e no Ritual da Ordem Franciscana Secular para indicar o compromisso que os Franciscanos Seculares assumem na celebração da Profissão.


      Estes termos, principalmente

      Profissão, comumente servem para indicar o compromisso daqueles christifidelis que se obrigam diante de Deus e da Igreja pelos votos da obediência, pobreza e castidade, emitidos normalmente em um instituto de 10


      2

      . Regra para todos os penitentes, do ano 1221, válida também para os penitentes franciscanos até 1289, ano em que Nicolau IV promulgou a Regra própria dos Franciscanos seculares, conhecida com o nome de Supra Montem.


      Vida Consagrada, erigido canonicamente pela competente autoridade eclesiástica (CIC can. 573, 1-2). Por ele é que o significado desses aspectos, no contexto da vida religiosa, estão mais próximos do sentido que os mesmos termos têm nas atuais fontes legislativas e litúrgicas da Ordem Franciscana Secular.

      Na Regra, nas Constituições e no Ritual da Ordem Franciscana Secular os mesmos termos indicam o compromisso, também assumido diante de Deus e da Igreja, de observar o Evangelho a modo de Francisco, expresso pelos leigos (casados ou não) e dos membros do Clero Diocesano, os quais, tanto uns como outros, normalmente não estão vinculados por votos de obediência, pobreza e castidade, nem se obrigam a eles, mas tentam viver nas comuns condições do estado secular.

      A linguagem da Regra, das Constituições e do Ritual e a realidade como se expressam, não constitui novidade alguma, porque sempre a mesma legislação da Ordem Franciscana Secular e todas as fontes relacionadas adotaram os termos

      promessa, propósito, Profissão.


      O

      Memoriale Propositi2 fala muitas vezes de ‘promissio’, ‘promittere’.


      No título do segundo capítulo da

      Supra Montem há o termo Profissão, mas o texto do mesmo capítulo volta à terminologia do Memoriale Propositi. No entanto, tanto neste como na Supra Montem, a promissio é considerada uma verdadeira e própria Profissão e com isso, depois o exame, a vestição e o ano de prova, se concluía a iniciação à Ordem.


      Os quatro elementos do período inicial, agora enumerados, estão indicados no

      Memorial, ao menos desde 1228 e se encontram em todas as Regras dos Penitentes franciscanos do século XIII, se bem que, com variantes devido às diversas circunstâncias. Este modo de proceder, ao enfrentar os candidatos a vida da fraternidade, não foi exclusivo dos Penitentes franciscanos, antes, foi um reflexo fiel tanto da mentalidade do tempo, como da legislação eclesiástica válida então para todos os religiosos.


      Cumprido o ano de prova, a promessa constituía o ingresso canônico definitivo em Fraternidade, e desta, já não mais podia sair, a não ser para entrar numa Ordem religiosa aprovada.

      Esta prescrição está presente na legislação de todos os religiosos de então e indica a estima não só pela Regra de um determinado instituto, mas pela vida mesma que em si governava com o suporte da Regra. De fato, os compromissos da Promessa-Profissão são para toda a vida e só pode mudar em razão de um crescimento mais intenso.

      Todo referimento até agora relacionado com a primitiva legislação da Ordem Franciscana Secular, leva-nos a centrar os elementos constitutivos da Profissão dos Irmãos e Irmãs da Penitência.

      Ela aporta:

      1. uma obrigação contraída com Deus;
      2. o compromisso de observar uma forma de vida ou Regra;
      3. a incorporação definitiva na Ordem.

      Os mesmos elementos são constitutivos também da Profissão dos religiosos e tal nos induz a pensar que o

      propositum vitae ou a Promissio dos Penitentes Seculares Franciscanos, equivalem a uma Profissão Religiosa.


      Disto se deduz que, se bem não se tratar de uma Ordem Religiosa em sentido estrito, a consideração de "Ordem" é apropriada para Fraternidade Franciscana Secular. Se por um lado ela não requer vida comum nem votos, por outra parte, a 11

      mesma "Ordem da Penitência" possui um Regra aprovada pela Sede Apostólica, um noviciado e uma profissão irreversível: conclusão, é

      uma Ordem religiosa em sentido amplo ou uma Ordem Secular.


      Conseqüentemente, os Penitentes Franciscanos nas origens não são "leigos" ou simples "fiéis": são religiosos seculares e, como tais, pertenciam ao estado eclesiástico. De fato o leigo se contrapõe ao clérigo, como o secular ao regular. É secular quem vive no "

      saeculum" (mundo), seja leigo, clérigo ou religioso. É regular quem vive em mosteiro ou em convento ou, de qualquer modo, numa comunidade ligada a Igreja; o regular, por sua vez pode ser religioso somente ou também clérigo.


      Ao largo dos séculos, a Ordem Franciscana Secular não só manteve a terminologia (

      promissio, promittere) da primitiva legislação, mas progressivamente foi adotando o uso de Profissão para indicar o compromisso de vida evangélica conforme a Regra aprovada.


      Disto se deduz que a forte convicção das origens, segundo a qual a

      promessa dos Irmãos e das Irmãs da Penitência constitui uma real e própria Profissão, acompanhou constantemente a consciência da Ordem Franciscana Secular.


      A mesma consciência lúcida não só fica inalterada, como constatada com maior rigor e claridade na Regra de Paulo VI e nas sucessivas Constituições aprovadas pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, sem esquecer o Ritual, também aprovado pela Congregação dos Sacramentos e do Culto Divino.

      Enfim, a Profissão na Ordem Franciscana Secular tem a dignidade própria de um compromisso

      solene e religioso contraído com Deus e ante a Igreja e não pode ser considerado um escalão inferior perante os religiosos, salvo o das profissões que se diferenciam em seu conteúdo. Pois isto encontra sua origem e motivação só na multíplice ação da graça divina e na diversidade dos carismas.


      Por outra parte, a Igreja, aprovando com sua autoridade apostólica a legislação fundamental, que a Ordem Franciscana Secular teve no transcurso dos séculos,

      sempre reconheceu e convalidou o sentir da mesma Ordem acerca do valor da Profissão na Fraternidade Secular Franciscana.


      A Ordem Franciscana Secular é uma Ordem Leiga, uma Ordem real,

      Ordo veri nominis que constitui uma escola de perfeição cristã integral, precisamente como a tem cada Instituto Religioso. Nesta Ordem Real se emite uma "Profissão real" que, diferenciando-se quanto ao conteúdo (os votos) emitido nos Institutos Religiosos propriamente ditos, tem sua dignidade semelhante a estes.


      12. No estilo de Francisco


      O segundo elemento distintivo da Profissão na Ordem Franciscana Secular é a imprescindível referência a São Francisco. Promete-se de fato, viver o Evangelho no estilo de São Francisco, seguindo seus passos, segundo o exemplo e as indicações dadas por ele, inseridas hoje na Regra da Ordem Franciscana Secular.

      É necessário sublinhar que os franciscanos seculares pretendem viver o Evangelho

      no estilo de São Francisco com a ajuda da presente Regra confirmada pela Igreja (Regra 2; Const. 1,3; 8,1).


      A Profissão na Ordem franciscana Secular tem, portanto, esta intrínseca configuração. Estamos diante de um enfoque ou de uma ótica particular, da qual a vida dos franciscanos seculares depende do Evangelho vivido pela inspiração e experiência 12

      de Francisco de Assis,
      pois, desde o início de sua conversão o toma como norma de vida e de ação. Necessário se faz enfatizar que a intenção de São Francisco era simplesmente voltar ao

      Evangelho de Jesus. Por isso, cada vocação franciscana é vocação evangélico-franciscana, Longe de pensar que a experiência de Francisco pretendia substituir o Evangelho, antes, sua mediação consistia em torná-lo transparente.


      Para os franciscanos se trata então de copiar de Francisco e, como ele, não conhecer outra Regra ou outra vida, a não ser a do Evangelho de Jesus, porque na mediação de São Francisco se origina nossa vocação.

      A mediação franciscana do Evangelho se estende à Regra da Ordem Franciscana Secular, a "esta Regra" (e não a outra), enquanto "confirmada pela Igreja". Com sua suprema aprovação, a Igreja se apropria da Regra da Ordem Franciscana Secular (a Regra pertence à Igreja: é

      "res Ecclesiae) e com sua autoridade a propõe aos franciscanos seculares. Desta forma, a Igreja não faz outra coisa senão transmitir aos mesmos franciscanos seculares o anúncio evangélico da salvação e propõe aquelas palavras (evangélicas) que, para os que têm fé, são espírito e vida.


      Finalmente, para aqueles que emitem a Profissão na Ordem Franciscana Secular com a finalidade de "alcançar a perfeição da caridade em seu estado secular" (Regra 2), a referência a Francisco, à Regra e às Constituições não é nada facultativo, é, antes, paradigmático e normativo."

      Evidentemente, tudo depende do modo de entender e viver a vocação franciscana. Verdadeira vocação é aquela que abarca todo o ser da pessoa, que se converte em substância do mesmo ser pessoal, ao ponto de o indivíduo não poder auto-pensar-se nem auto-definir-se, senão enquanto chamado e, no caso específico, enquanto chamado à vida evangélico-franciscana.

      Regra e Constituições, portanto, são realidades vitais na vida do franciscano secular, dependentes do Evangelho. Elas mesmas são, a vida do franciscano secular. Ainda mais: antes de falar

      Regra, fale-se de vida, assumindo assim, plenamente a concessão de São Francisco, para quem a vida é observar o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.


      A seus companheiros e seguidores, religiosos(as) ou seculares, não intentou apresentar normas a praticar, senão simplesmente propôs uma vida, que brota do Evangelho. Em conseqüência, em seus escritos, Francisco mais que de Regra fala de

      Vida (Esta é a vida do Evangelho de Jesus Cristo, que o irmão Francisco pede ao Senhor Papa Inocêncio lhe seja concedida e confirmada) (Rnb; FF 2). E quando às vezes fala de Regra, une Regra e Vida (Rb; FF 75).


      Para Francisco, Regra é só Evangelho que se deve viver e observar textual e integralmente. Deriva daí o inciso da Regra da OFS: "A Regra e a

      Vida dos franciscanos seculares é esta: guardar o santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo seguindo o exemplo de Francisco de Assis (Regra 4)".


      Conclusão: A Profissão na Ordem Franciscana Secular, como promessa de vida evangélica ao estilo de São Francisco, coloca diante de nossos olhos o estilo radical, iluminado e alegre com que Francisco escuta o Evangelho e se compromete a vivê-lo.


      13. A vida evangélica no seguimento de Cristo


      A Introdução do Ritual da Ordem Franciscana Secular se abre com esta afirmação:

      "Muitos homens e mulheres, solteiros e casados, assim como muitos sacerdotes diocesanos foram chamados por Deus..., imitando o exemplo e a forma de vida de São Francisco de Assis...,

      se comprometem a seguir Jesus Cristo e a viver o Evangelho em Fraternidade, ingressando na Ordem Franciscana Secular" 13


      (

      Introdução, 1).


      O Ritual une a

      sequela Christi e a vida evangélica, porque o fim da observância do Evangelho é precisamente a sequela. De fato, esta é a instituição carismática de São Francisco, pois a sequela Christi depende da observância do Evangelho. Francisco realmente conhece a Cristo e tem a experiência pessoal de Cristo, através do Evangelho como a seu modo faz a Igreja que, guiada pelo Espírito Santo, reconhece a Cristo no Evangelho e com fé acolhe suas obras e palavras.


      Antecipando-se por muitos séculos aos ensinamentos do Concílio Vaticano II, Francisco sente a presença de Cristo no Evangelho. Ele tem o consciente carisma de que o Senhor, além de limites de espaço e tempo, fala diretamente através da palavra Bíblica. Nela (palavra bíblica) ele vê como se fora a prolongação da Encarnação do Verbo, que lhe manifesta a divina vontade.

      Consequentemente, para Francisco, a verdade do Evangelho não é algo para saber, senão uma

      pessoa viva a seguir, uma vida para viver com essa pessoa, Cristo. Por isso Francisco concretiza isto instituindo sua fraternidade, não querendo referência alguma com outras Regras precedentes. Ao aceitar o Evangelho, Francisco acolhe a mesma pessoa de Cristo, que lhe fala e o convida a segui-lo totalmente. O sentido da sequela adquire então, para Francisco, sua máxima expressão; para ele trata-se de seguir a pobreza de Cristo, a humildade de Cristo, os preceitos de Cristo, a doutrina de Cristo, a vontade de Cristo, a bondade de Cristo, o espírito da Escritura, o Bom Pastor as pegadas de Cristo, a vida de Cristo.


      Esta última expressão tem uma importância ímpar para Francisco. Ele a encontrou na primeira Carta de São Pedro. Pelo apóstolo, Francisco aprendeu, sobretudo, "

      depois que Cristo sofreu por vós deixando-vos um exemplo para que sigais sua pegadas", a urgência de "seguir os passos de Cristo". O significado da sequela se centra, portanto, sobre o acontecimento, por excelência, da vida de Jesus: seus sofrimento e a morte do Servo do Senhor, suportados injustamente pela salvação do mundo. Como Pedro, assim também para Francisco, seguir a Cristo não significa propor novamente os feitos e os gestos do Senhor, antes, colocar toda a vida no conjunto das exigências evangélicas, compartilhando e imitando o agir de Deus, que nô-lo entregou até à morte na Cruz para a salvação do mundo.


      14. Cristo, centro da vida


      À luz das precedentes considerações, compreende-se o enunciado da Regra da Ordem Franciscana Secular, ao afirmar que São Francisco de Assis "

      fez de Cristo o inspirador e o centro de sua vida com Deus e com os homens".


      É uma implícita exortação para todos os que emitem a Profissão na Ordem Franciscana Secular a fazer outro tanto.

      A Regra oferece também uma admirável proclamação cristológica, que ilumina a vida dos que, com a profissão, se comprometem a observar o Santo Evangelho, afirmando: "Cristo, dom do amor do Pai, é o caminho para Ele, a Verdade na qual o Espírito Santo nos introduz na Vida que nos veio conceder superabundantemente".

      Esta admirável afirmação que a Regra, no início, deve suscitar nos Irmãos e Irmãs seculares, uma plena contemplação, cheia de amor, pelo "dom do amor do Pai", deve orientar sempre o olhar para Jesus, deve determinar uma constante reflexão da própria existência, confrontando-se com aquEle que é o Caminho, a Verdade e a Vida.

      Como para Francisco, também para os Franciscanos Seculares, o seguimento de Cristo, nasce do amor a Ele, um amor total e radical que leva a imitar a pessoa amada e à união, que se conforma na mesma pessoa amada. A Regra propõe precisamente este programa, quando afirma no nº 10:

      "Associando-se à obediência redentora de Jesus, que submeteu sua vontade à 14

      do Pai, cumpram fielmente as obrigações próprias da condição de cada um, nas diversas circunstâncias da vida, sigam a Cristo pobre e crucificado, testemunhando-o também nas dificuldades e perseguições."

      Concluindo, para os Franciscanos Seculares, seguir a Cristo e se conformar com Ele, significa iniciar o compromisso da profissão de observar o Evangelho a exemplo de São Francisco, vivendo plenamente todas as suas exigências até o fim, inclusive na morte, abrindo-se assim às promessas proclamadas no mesmo Evangelho.


      15. A identidade penitencial original


      O anúncio evangélico se abre com a chamada à conversão: "Cumpriu-se o tempo e se aproxima o Reino de Deus; convertei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15). A dimensão penitencial está no coração do Evangelho, é essencial para a vida evangélica.

      Por este motivo os Franciscanos Seculares, prometendo viver o Evangelho, em virtude de seu carisma original, comprometem-se a levar uma vida penitencial. Como já se recalcou, eles prometem viver o Evangelho

      no estilo de São Francisco e, mediante esta Regra autenticada pela Igreja (Regra 2; Const. 1,3;8,1).


      Mas "a presente Regra, depois do

      Memoriale propositi (1221) e depois das Regras aprovadas pelos Sumos Pontífices Nicolau IV e Leão XIII, adapta a Ordem Franciscana Secular às exigências e expectativas da Santa Igreja às condições dos tempos".


      Isto explica o vínculo da Regra atual com as legislações precedentes da OFS: ela se situa no ventre fecundo da História plurissecular do Movimento Franciscano Secular e, sobretudo, se liga à inspiração original do mesmo movimento, expressa nas "novas leis da Penitência" (LM 6), dadas por Francisco. Provavelmente essas

      "novas leis" coincidem, em tudo ou em parte, com a Carta aos Fiéis.


      Foi precisamente graças as essas "novas leis" que os penitentes também ascenderam a um estado de "não medíocre perfeição" (Juliano de Spira,

      Vida de São Francisco).


      Por esta razão, como prólogo da nova Regra, sob o título "Exortação de São Francisco aos Irmãos e Irmãs da Penitência, insertou-se na recensão da Primeira Carta aos Fiéis, que esta deve ser justamente considerada como a fonte inspiradora e constitutiva de toda a tradição e espiritualidade da OFS. Nas duas recensões (a primeira e a posterior) da mesma Carta, Francisco pede aos Leigos que o querem seguir, com insistência e como coisa natural, uma forma radical de vida cristã e, se esforça para obter dos cristãos uma renovação de sua vida segundo a forma do Santo Evangelho.

      Raramente a forma de vida franciscana, que deve unir os irmãos menores, as damas pobres e os irmãos e irmãs da Penitência, foi apresentada de um modo tão claro, amplo e profundo como sucede nesta carta.

      Por obra do Espírito do Senhor são mutáveis os valores de uma vida humana puramente natural, que é a vida terrena seguida por quase a totalidade dos cristãos, apesar do Sermão da Montanha e do Evangelho. Daqueles que o seguem, Francisco exige sem compromisso aquilo que o cristianismo tem de radical e contra a natureza. Surpreendentemente, em lugar do "espírito da carne" e do "eu" humano – egoísta, autoritário, posto em evidência – ele coloca o "espírito do Senhor", isto é, pensar, querer, viver e agir segundo o Evangelho puro.

      Este modo de vida é a "metanoia", o "fazer penitência" de São Francisco! Eis a origem da penitência entendida em sentido franciscano.

      Portanto, os Franciscanos Seculares:

      "Como Irmãos e Irmãs da Penitência, em virtude de sua vocação, movidos pela 15

      dinâmica do Evangelho, conformem seu modo de pensar e agir ao de Cristo, mediante uma transformação radical interior, que o próprio Evangelho designa com o nome de "conversão", a qual, devido à fragilidade humana, deve ser realizada todos os dias" (Regra 7).


      16. Secularidade


      O Ritual da Ordem Franciscana Secular fala expressamente de "consagração que se vive no mundo" e de "vontade de viver no mundo e pelo mundo" (Introdução 14 a, d). Por outra parte a Regra, desde o início, se preocupa em precisar o âmbito no qual os Irmãos e Irmãs da Ordem Franciscana Secular, animados pelo espírito, pretendem alcançar a perfeição da caridade: o

      próprio estado secular (Regra 2).


      Estado secular ou Secularidade e mundo são, portanto, duas coordenadas existenciais para compreender a identidade específica dos membros da Ordem Franciscana Secular e sua particular missão nascida de sua profissão.


      A Secularidade,

      antes de tudo indica uma condição existencial e sociológica: é estar no mundo como criaturas humanas e comunidade de homens e mulheres. Sob tal aspecto, a secularidade é uma dimensão que pertence à existência humana e se situa na relação com os outros; reside em toda a gama de relações geográficas, históricas, culturais e sociais nas quais nasceu e vive. A Secularidade é um dado natural, independente da livre escolha do indivíduo: se nasce secular, não se faz.


      Também há uma

      dimensão teológica da secularidade.


      Nesse sentido se assume conscientemente a própria condição natural para convertê-la em Sinal e Lugar específico, a dimensão qualificante da própria vocação na acolhida do já e não do ainda não, ao impulso da

      ‘revelação final’ de Cristo e da Igreja.


      Sob este aspecto, a secularidade resulta da aceitação da intervenção de Deus na história humana e seu realizar-se. Expressa como reconhecimento de um mundo (o século) no qual opera o Espírito para a "recapitulação" de todas as coisas em Cristo. Neste nível, a secularidade não é um dado natural, pois, indica a livre eleição de quem, na fé, pretende colocar a própria existência a serviço do Reino de Deus.

      Assim, a própria condição existencial e sociológica assume uma espessura teológica e se converte numa vida específica para realizar e testemunhar a salvação.

      Nesse sentido pode-se falar legitimamente de "

      estado secular consagrado a Deus", pois é este mesmo estado, que está dedicado a Ele e posto em suas mãos, como instrumento do qual servir-se para assegurar a salvação do mundo.


      Por sua vez o próprio mundo assume um valor teológico.

      À luz da

      Gaudium et Spes, o mundo é "toda a família humana no contexto de todas aquelas realidades em que se vive; o mundo que é o teatro da história do gênero humano, coloca à mostra os sinais de seus esforços, de suas derrotas e de suas vitórias; o mundo que os cristãos crêem criado e conservado pela existência do amor do Criador, mundo certamente sob a escravidão do pecado, mas por Cristo Crucificado e Ressuscitado, com a derrota do mal, liberado e destinado, segundo o propósito divino, a transformar-se para alcançar sua realização" (GS 2).


      O ser e a ação dos leigos e dos franciscanos seculares se colocam neste contexto de "mundo". Vivendo no mundo, tendem à perfeição da caridade e se comprometem a santificar o mundo, agindo dentro dele.

      Os franciscanos seculares, como todos os fiéis leigos estão chamados a conduzir sua própria vida nas comuns situações do mundo, dentro do âmbito específico "mundano", participam da missão evangelizadora da Igreja. 16

      O amor do cristão pelo mundo brota do desejo de entrar mais profundamente no amor de Deus pelo mundo e de participar em primeira pessoa, aqui e agora, daquele amor que o Pai revelou enviando seu Filho Unigênito ao mundo. Em conseqüência, o mundo se converte num "lugar" no qual se vive as pegadas de Cristo e no qual se santifica; não obstante a inserção nele, mas mediante ele

      (in saeculo et ex saeculo) no mundo e do mundo.


      No entanto, a Encarnação que também dá testemunho do amor de Deus pelo mundo, é o mistério que torna compreensível o modo pelo qual o mundo deve ser organizado por Deus e transformado desde dentro.

      A Encarnação chegou através de uma "

      kenosis" escondida, com a desnudação do Filho de Deus humilhado até a imolação na cruz.


      Quem quer ser discípulo de Cristo, deve negar-se a si mesmo, tomar cada dia sua cruz e segui-lo para ser no fim crucificado para o mundo. O mundo, de fato, pode ser transformado só com a ascese da sequela, por que é o homem novo, redimido por Cristo e purificado constantemente pela penitencia, que edifica a nova sociedade; é o homem novo que dá vida a um desenvolvimento a serviço do homem e não contra o homem.

      Professando uma forma da vida evangélica, vivendo sua consagração a Deus no mundo e pelo mundo, e "transferindo para a realidade terrena o autêntico espírito do Evangelho", (Ritual III, 46), os franciscanos seculares dão testemunho que a santificação do mundo passa necessariamente pela santificação do homem, porque este mundo só pode ser transformado pelo espírito das Bem-aventuranças. (cfr. LG 31).

      Tradução de Fr. Antonio Andrietta, OFM

      Revisto por Maria Aparecida Crepaldi

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